“Após o transplante renal, a minha vida mudou consideravelmente”, contou à Lusa João Augusto do Rosário, jornalista de profissão, a quem foi diagnosticada insuficiência renal em 2009, tendo feito hemodiálise nos nove anos seguintes, até receber um novo rim em 2018.
Durante todo esse tempo, esteve praticamente “inativo” em Portugal, mas regressou a Cabo Verde e reside atualmente na ilha de São Vicente, de onde é natural, “com uma vida mais ou menos ativa”, exercendo a sua profissão e a fazer as coisas de que gosta.
Mesmo não sendo diretamente visado, pelo menos no que diz respeito aos rins, João do Rosário mostrou-se feliz com a aprovação, em 08 de dezembro, no parlamento cabo-verdiano, da proposta de lei de doação, colheita e transplante de órgãos humanos.
“Terá um impacto enorme para o nosso país, tanto a nível social como económico e político”, destacou, lembrando que uma sessão de diálise, durante quatro horas, custa cerca de 250 euros, valores que o país poderá vir a poupar e aproveitar a ajuda de Portugal para investir em outros setores.
Agora que a lei foi aprovada, João do Rosário espera que seja implementada o mais rápido possível, para beneficiar muitos dos atuais cerca de 300 doentes renais crónicos em tratamento nos dois centros de diálise do país.
“Esperamos muito que seja feito o primeiro transplante e vários transplantes em Cabo Verde”, augurou o jornalista, que agora só vai a Portugal fazer “check-up”, salientando, em entrevista, por videoconferência, à Lusa, que se sente “muito bem”.
Para o bastonário da Ordem dos Médicos Cabo-verdianos (OMCV), Danielson da Veiga, a lei “chegou em boa hora”, embora admita que o primeiro transplante no país, que será gratuito, só venha a acontecer dentro de cinco anos.
“É um primeiro passo”, animou-se o médico cirurgião, em entrevista à Lusa, na cidade da Praia, dizendo que agora é começar a fazer os “ajustes” e a regulamentação, até á instalação de um centro para transplante de órgãos no país.
“Temos que começar a capitalizar o nosso sistema de maneira a reduzir o sofrimento dos doentes, que querem estar junto da sua família, do médico e também fazer a sua vida com dignidade”, apontou.
Além de ser uma oportunidade de pôr em prática muitos dos conhecimentos adquiridos na especialidade, o bastonário salientou que será uma forma de Cabo Verde aproveitar os médicos na diáspora e realizar intercâmbios e parcerias com colegas de outros países.
“Temos que assumir essa responsabilidade, se nós temos cá especialistas, temos parceiros lá fora, por que não começar?”, insistiu Danielson da Veiga, frisando que esta pode também ser outra área em que o país poderá “competir” na região da África Ocidental, de que faz parte.
“Cabo Verde é um país de paz, de tranquilidade e de uma grande força de atração de turistas, [com] possibilidade de desenvolver o turismo de saúde, que seria uma oportunidade muito grande”, perspetivou, notando que, na região, há países com problemas financeiros e de estruturação de serviços de saúde.
Na discussão do diploma, o ponto mais sensível foi a questão do consentimento, que será presumido, em vez de declarado em vida, para pessoas que tenham falecido em acidente ou como consequência deste.
Para o bastonário, trata-se de um debate “normal e legítimo”, mas frisou que o país tinha de “começar por alguma coisa” e “manter o embalo” do “progresso muito bom” na saúde.
“Não podemos ter tudo pronto para depois aprovar a lei”, explicou, prometendo realizar sessões de esclarecimentos à população, de uma norma que agora vai ser discutida na especialidade e entrará em vigor seis meses após a publicação oficial.
LUSA/HN
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