Dois anos depois, acesso ao aborto divide Estados Unidos ao meio

24 de Junho 2024

A decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos de revogar o direito federal ao aborto, tomada há dois anos, dividiu profundamente o país no que diz respeito ao acesso a cuidados de saúde. Atualmente, em 21 estados norte-americanos, o procedimento é ilegal ou restrito.

O mapa fragmentado onde é ou não possível interromper legalmente uma gravidez reflete a polarização política do país, com os estados dominados por democratas a manterem o direito e os estados dominados por republicanos a proibirem ou restringirem o acesso.

A proibição é, no entanto, globalmente impopular no país e espera-se que esta seja uma questão com impacto relevante no desfecho das eleições presidenciais de 5 de novembro deste ano.

Hoje, em Los Angeles, o movimento Women’s March assinala os dois anos da revogação do direito ao aborto com um protesto.

Eis alguns pontos essenciais da questão do aborto nos Estados Unidos:

Como o direito ao aborto foi revogado
A maioria ultraconservadora do Supremo Tribunal, com três juízes nomeados pelo ex-presidente Donald Trump, publicou a 24 de junho de 2022 uma decisão no caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization que revogou o precedente Roe v. Wade, de 1973, no qual tinha sido concedido o direito federal à interrupção voluntária da gravidez.

Com a eliminação deste direito federal, os estados puderam aprovar legislação para abolir ou restringir severamente o acesso a cuidados abortivos, mesmo em casos de violação, incesto, malformação do feto ou perigo para a vida da mãe.

Quantos estados proíbem o aborto
Há 14 estados onde o aborto é totalmente proibido, independentemente das circunstâncias. São eles Alabama, Arkansas, Idaho, Indiana, Kentucky, Luisiana, Mississípi, Missouri, Dakota do Norte, Oklahoma, Dakota do Sul, Tennessee, Texas e Virgínia Ocidental.

Em 10 estados não há exceções para violações ou incesto. Em 13 não há exceções para a malformação do feto ou inviabilidade da gravidez, e em seis não há exceções para perigo de vida da mãe. Mesmo onde há exceções, as restrições são tão severas que na prática elas não são respeitadas. Foram reportados casos de grávidas que tiveram de esperar até entrarem em sépsis ou hemorragia grave para serem atendidas.

No Texas, cidadãos podem processar profissionais de saúde que ajudem na interrupção de uma gravidez.

Quantos estados limitam o acesso ao aborto
Há sete estados onde o acesso ao aborto é limitado, em alguns casos de forma severa. Na Flórida, Geórgia e Carolina do Sul o procedimento é banido a partir das seis semanas, sendo que, em média, as mulheres descobrem que estão grávidas às oito semanas.

No Nebraska e Carolina do Norte, o aborto é proibido a partir das 12 semanas e no Arizona a partir das 15 semanas. No Utah, a proibição acontece às 18 semanas.

Onde é que o aborto se mantém legal
A interrupção voluntária da gravidez mantém-se legal em 29 estados e, em vários, foram os cidadãos que obrigaram os legisladores republicanos a fazê-lo.

Em 2022, os eleitores do Kansas rejeitaram em referendo a proposta conservadora de eliminar o direito ao aborto que consta na Constituição do estado. Em 2023, os cidadãos do Ohio aprovaram em referendo a integração do direito ao aborto na Constituição estadual.

Continua a ser possível legalmente fazer uma interrupção voluntária da gravidez no Alasca, New Hampshire, Ohio, Virgínia e Wisconsin, sendo que em todos os outros estados o direito foi reforçado com novas proteções legais.

São os casos da Califórnia, Colorado, Connecticut, Delaware, Havai, Illinois, Maine, Maryland, Massachusetts, Michigan, Minnesota, Nevada, Nova Jérsia, Novo México, Nova Iorque, Oregon, Pensilvânia, Rhode Island, Vermont e Washington, além do Distrito de Columbia (D.C.).

Em três estados, as iniciativas de proibição continuam a ser disputadas em tribunal, o que permite a manutenção do ‘status quo’. No Iowa, há uma suspensão temporária da proibição por um juiz distrital; no Montana, os legisladores aprovaram dez leis antiaborto mas um tribunal bloqueou-as; e no Wyoming está pendente em tribunal a decisão sobre duas leis de proibição.

O que dizem as sondagens
A revogação do aborto é impopular mesmo nos estados de maioria conservadora. De acordo com os dados de 2024 do Pew Research Center, 63% dos eleitores dizem que o aborto deve ser legal em todos ou quase todos os casos, enquanto 36% consideram que deve ser ilegal em todos ou quase todos os casos.

Nas eleições intercalares de 2022, que determinaram o controlo do Congresso norte-americano, a insatisfação com a decisão do Supremo foi um dos pontos que inviabilizou a “onda vermelha” que se previa para os republicanos, mantendo os democratas na maioria no Senado (câmara alta do Congresso).

Uma sondagem recente da KFF determinou que o aborto é um tema determinante na intenção de voto para 1 em cada 8 eleitores. A questão é mais importante entre mulheres negras, mulheres democratas, mulheres que vivem em estados com proibições e mulheres com menos de 50 anos.

NR/HN/Lusa

 

 

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