“Isto vai afetar muita gente e principalmente quem está na rua, como os agricultores ou as ‘rabidantes’ [vendedoras] que deambulam a tentar vender o seu produto: o aumento de temperatura vai afetar a saúde, de certeza, porque é o que se passa lá fora e vai acontecer aqui também”, diz Alexandre Nevsky Rodrigues, secretário nacional para a Ação Climática.
O exemplo serve para mostrar qual a ligação entre a temática e a população e porque é que o Governo cabo-verdiano lançou um Portal do Clima, na Internet (portaldoclima.gov.cv), a par de campanhas informativas nas redes sociais.
“Todo o mundo deve saber o que se está a fazer” e ter “um repositório dos principais documentos” nesta área de governação, que é nova e desconhecida para muitas pessoas, reconhece.
“Eu podia dizer mil coisas”, refere Alexandre Rodrigues, quando alguém lhe pede exemplos do impacto que uma governação atenta às alterações climáticas pode ter.
Promover a rega gota-a-gota, devido à escassez de água provocada pelas secas, delimitar zonas onde há perigo de derrocadas, em caso de chuvas torrenciais, tudo consiste em “construir resiliência, fazer com que todos, sejam vendedoras ou agricultores, estejam preparados para estas novas circunstâncias, um novo normal”.
Em janeiro, o Banco Mundial alertou que Cabo Verde deve promover medidas urgentes para enfrentar as alterações climáticas sob pena de o Produto Interno Bruto (PIB) se retrair 3,6% até 2050.
“Estamos a trabalhar para o desenvolvimento, não estamos a trabalhar porque é uma moda. É necessário, não temos outra saída”, aponta Alexandre Rodrigues.
Segundo refere, o reforço da ação climática reflete-se na produção de várias estratégias e planos, a concluir este ano.
Até agosto, deverá estar pronto o Plano Estratégico de Mobilização de Apoio Climático, uma ferramenta que vai funcionar como um mapa para quem procura apoios (capacitação, financiamento ou transferência de tecnologia) e para quem os quer disponibilizar a Cabo Verde.
“Vamos imaginar que eu quero implementar um projeto de pesca. Este plano estratégico vai ajudar-me a traçar uma linha até chegar a quem financia ou capacita este tipo de projetos, indicando quais são essas instituições ou quem tem tecnologia”, salienta.
O documento vai “orientar qualquer instituição”, ligando todos os envolvidos no setor, no país e no exterior.
“O plano está em construção, vai envolver todas as entidades, incluindo o setor privado, já temos um esboço e achamos que daqui a cerca de dois meses poderá ser submetido a Conselho do Ministros”, acrescenta.
O que vai mudar depende da forma “como se usar a ferramenta: eu posso ter uma enxada em casa, mas se não for para o campo fazer a cova e colocar a semente, nunca vou ter nenhum fruto”.
Em setembro, deverá ser operacionalizado um “fórum de cidadãos e clima”, em que “a sociedade civil poderá reunir-se, fazer a avaliação das políticas climáticas e contribuir para a sua melhoria”.
O país tem ainda entre mãos dois documentos relacionados com o Acordo de Paris (2015), a lista de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, sigla em inglês) e o Relatório Bienal de Transparência (BTR, sigla em inglês).
As duas siglas fazem parte do jargão que acompanha os documentos relacionados com políticas de ação climática ou o Acordo de Paris: o primeiro indica os compromissos do país para evitar um aumento de 1,5 graus até 2100, o segundo mostra, de dois em dois anos, como estão a ser cumpridos.
“Estamos a elaborar o nosso primeiro relatório de transparência”, que deverá estar concluído em julho e vai ajudar à “marcação orçamental do financiamento dos projetos climáticos”.
Ou seja, no próximo Orçamento de Estado, “todo o projeto que tenha algum impacto climático vai ser marcado”, mesmo que à primeira vista não pareça estar relacionado com o tema.
Alexandre Rodrigues recorre a um novo exemplo: as obras num porto de pesca podem fazer parte de outra estratégia, mas se incluírem a transição para painéis solares, contribuem para a redução de emissão de gases com efeito de estufa na produção de eletricidade – e essa componente será sinalizada nos esforços de Cabo Verde.
A transição energética – em que o Governo estabeleceu a meta de 50% da eletricidade do país ter origem renovável até 2030 – é um exemplo do compromisso para travar a subida de temperatura ao mesmo tempo que evita poluição e contribui para a saúde.
Em 2020, Cabo Verde fez “a primeira atualização das NDC” e a próxima revisão arranca “em setembro”, procurando definir já as metas até 2035.
As perspetivas globais “não são muito boas”, dado o aumento das temperaturas, “mas o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês), que junta cientistas de todo o mundo, diz que ainda há uma janela [de oportunidade]” até 2030.
A quem se mostra descrente no Acordo de Paris, Alexandre Rodrigues refere que, se não fossem os esforços feitos desde então, “já estaríamos muito acima dos três graus” de aquecimento global.
Cabo Verde tem investimentos previstos no âmbito do plano de transição energética parcialmente financiados pelo fundo climático, que nasceu a partir de um acordo de troca de dívida com Portugal.
Os riscos climáticos levaram também à assinatura de um apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) que através do Instrumento de Resiliência e Sustentabilidade (RSF, sigla inglesa) tem preparado Cabo Verde para captar investimento externo e fazer reformas governamentais.
lusa/HN
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