Pouco antes das 09:00, num dia de semana, meia dúzia de carros perfilam-se para entrar neste mega-centro comercial da periferia de Luanda, chamado Cidade da China. Habitualmente intenso, o movimento é agora fraco depois de a cerca sanitária imposta na semana passada ter obrigado 300 lojas a fechar portas por três dias.
Na entrada, as viaturas são pulverizadas por uma equipa de desinfeção e é medida a temperatura dos ocupantes dos veículos, que atravessam ainda um tapete desinfetante antes de entrar no complexo comercial.
A “cidade”, com uma clientela diversificada, que acorre ao local atraída pelos baixos preços, é bem organizada. Há estacionamento, ruas largas, “bairros” diferenciados de acordo com os produtos e serviços que oferecem: venda de fardos (roupa usada), mobiliário, eletrodomésticos e produtos eletrónicos, vestuário e calçado, peças de automóveis, mas também supermercados e áreas de restauração e até bancos.
Nos anúncios coloridos, que encimam as entradas das lojas e decoram as ruas, usam-se carateres chineses juntamente com a língua portuguesa, mas a Cidade da China acolhe diferentes nacionalidades, incluindo de Portugal.
Emanuel Lello, em Angola há 11 anos, atualmente o único comerciante português no local, diz que “é impressionante a diferença” face à semana passada numa Cidade da China invulgarmente pacata, escusando-se, no entanto, a estabelecer uma relação de causalidade com a cerca.
“Muitas pessoas ainda julgam que estamos em cerca. Acho que vai acabar por voltar ao normal, mas acho que há outros fatores na economia que também estão a arrastar a queda das vendas”, acrescentou, apontando também a “redução drástica” do poder de compra.
A sua loja de lubrificantes, que importa de Portugal, emprega 12 pessoas e está na cidade da China desde que abriu.
“Nós vimos o empreendimento a ser construído, visitámos e fomos dos primeiros a alugar. Fomos bem recebidos”, afirmou o português, assumindo que tem havido “algumas pedras no caminho” devido à pandemia.
Emanuel Lello salientou que “a Cidade da China está muito mais bem preparada do que outros mercados para enfrentar uma situação de pandemia”, referindo o controlo de segurança e “o controlo sanitário constante”, apesar dos dois casos identificados.
O mesmo “vazio” constatou o libanês Mohamed Menem, em Angola há 15 anos, que se instalou há quatro meses na Cidade da China aliciado pelo movimento e pela “gestão excelente da administração”, variedade e bons preços dos produtos: “tornou-se um ponto de referência para todas as camadas de clientes, todo o mundo vem aqui”.
Mas agora “está vazio, as pessoas ainda têm medo”, afirmou o comerciante, considerando que não faz sentido se se comparar com o número de casos que se tem encontrado nos mercados.
“O movimento está a 20% do normal, mas acredito que mais uns dias teremos um movimento melhor e brevemente voltaremos ao que era antes”, disse Mohamed Menem, na sua loja, onde vende vestuário e outros produtos “importados dos Estados Unidos” como faz questão de frisar.
Tina Yang, dona de uma loja de decoração, frisou igualmente que o negócio não corre tão bem como antigamente e destacou que todos os comerciantes adotam medidas de prevenção.
“Por causa da pandemia, todas as lojas têm perdido, o nosso objetivo é estar sempre abertos porque temos funcionários para sustentar e eles também tem de sustentar as famílias, mas o nosso objetivo primeiro é defender a vida”, afirmou.
Questionada sobre se tem sentido dificuldades para pagar a renda, indicou que tem “confiança no apoio da administração da Cidade da China”.
Depois dos dois casos de infeção “houve muitos clientes que ficaram com medo de vir”, mas Tina Yang garantiu que no local há medidas de prevenção.
No exterior, circulam alguns, poucos, clientes, como Maria Salomé que transporta à cabeça um fardo.
“Vim comprar vestidos”, disse à Lusa, adiantando que os vai revender num mercado.
“Graças a Deus já tiraram a cerca”, desabafou, acrescentado: “É aqui que ganho o pão para os filhos, venho sempre cá, o preço é melhor”.
Maria Salomé garantiu que o espaço está bem preparado contra o coronavírus: “antes de entrar lavo as mãos, tem álcool gel, sem máscara não se pode entrar no armazém. Não tenho medo porque está tudo organizado”.
Télson Sebastião, trabalhador da Cidade da China, veio acompanhar uma familiar na compra de um fardo, e também nota que o movimento está fraco.
“Antes de entrarmos em quarentena havia mais enchentes, quando fecharam para poder testar encontrámos o movimento mais fraco, dá para entender que o pessoal está com medo dessa doença”, disse o jovem angolano.
Télson “tem medo” da Covid-19, mas precisa do seu ganha-pão e não pode ficar em casa parado.
“Uso os meus meios de prevenção, uso sempre a máscara e o álcool gel”, garante, exibindo um pequeno desinfetante portátil, salientando ainda que “há organização” na Cidade da China e os seguranças são muito rigorosos no seu trabalho.
LUSA/HN
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