China entre insustentabilidade da estratégia ‘zero casos’ e rigidez ideológica

18 de Maio 2022

A variante Ómicron da covid-19 forçou a China a adotar medidas extremas, visando manter a estratégia de ‘zero casos’, assumida como um triunfo pelo líder chinês, Xi Jinping, apesar dos avisos sobre a sua insustentabilidade.

A capacidade do Estado chinês de impor medidas imediatas de confinamento, isolar todos os infetados e contactos diretos, e realizar rondas sucessivas de testes em massa, provaram inicialmente ser eficazes, alimentando um discurso triunfal do regime autocrático chinês, face a um Ocidente democrático em “declínio”.

Desde o segundo trimestre de 2020, enquanto surtos de covid-19 sobrecarregavam hospitais e faziam disparar o excesso de mortalidade em todo o mundo, a vida decorreu com normalidade no país asiático.

No entanto, volvidos dois anos, a estratégia ‘zero covid’ está a desmoronar-se, à medida que o ritmo de contágio da variante Ómicron torna ineficaz o rastreamento de contactos e confinamentos localizados.

Xangai, a “capital” financeira da China, com 26 milhões de pessoas, está sob confinamento há seis semanas, num esforço desesperado para suprimir o vírus.

“É terrível”, resumiu à agência Lusa a singapuriana Linette, quadro de uma empresa com sede na cidade. “O impacto para muitas pessoas é enorme. Há falta de comida e outros bens básicos”, descreveu.

Os surtos atuais resultaram também no isolamento de importantes cidades industriais como Changchun (nordeste) e Cantão (sul).

Imagens de suicídios, pessoas a passar fome, a enlouquecer ou a morrer por causas como apendicite aguda, devido à falta de acesso a tratamento hospitalar, multiplicam-se nas redes sociais, apesar dos esforços do regime para censurar críticas.

“Todos os dias vejo vídeos de suicídios”, disse à Lusa Fabian, um jornalista alemão destacado na China.

Pequim está a tentar conter a propagação do vírus através do isolamento de bairros e rondas quase diárias de testes em massa, ignorando conselhos da Organização Mundial da Saúde.

“Não achamos que a estratégia de ‘zero covid’ seja sustentável, considerando o comportamento atual do vírus e o que prevemos no futuro”, disse o chefe da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, na semana passada. “Discutimos esta questão com especialistas chineses e indicamos que a abordagem não é sustentável (…) acho que uma mudança seria muito importante”, acrescentou.

Um consultor português radicado na capital chinesa, que prefere não ser identificado, disse à Lusa ter recebido ordem para ficar em casa nos próximos 17 dias, após um morador no seu condomínio ter testado positivo.

Situado na zona oeste de Pequim, o condomínio é composto por 12 prédios e abriga mais de cinco mil pessoas. Todos os moradores vão ter que cumprir quarentena e serão sujeitos a seis rondas de testes.

Grades foram colocadas em torno dos edifícios, para impedir a saída dos moradores, segundo fotografias partilhas pelo consultor. “Todos os prédios foram barricados, apesar de apenas num edifício existir um morador que testou positivo”, descreveu. “Isto faz algum sentido?”, questionou.

Xu Jianguo, professor de Economia na Universidade de Pequim, estimou que o prejuízo causado pelas interrupções na atividade económica ascende a 18 biliões de yuans (2,54 biliões de euros).

“A gravidade dos surtos este ano é mais de 10 vezes superior à de 2020 (…) em termos da população afetada e de custo económico”, apontou, num seminário realizado ‘online’, na semana passada.

Xu considerou que é questionável se a China vai conseguir alcançar a meta de crescimento económico oficial de “cerca de 5,5%”, estabelecida para este ano, ou mesmo igualar o crescimento de 2,3%, registado em 2020.

Porém, entre afrouxar as medidas de prevenção ou continuar a suportar crescentes custos sociais e económicos, o dilema chinês é agravado pelo peso político de uma estratégia que foi assumida como vitória política de Xi Jinping.

Numa cerimónia realizada em 2020, o Presidente da China, Xi Jinping, proclamou que a “pandemia provou mais uma vez a superioridade do sistema socialista com características chinesas”.

O Partido Comunista Chinês (PCC) vai decidir no seu próximo Congresso, que se realiza na segunda metade deste ano, se atribui a Xi um terceiro mandato como secretário-geral. A decisão quebra décadas de tradição política na China.

Xi defendeu, este mês, que as duras medidas antiepidémicas “vão resistir ao teste do tempo”.

“Devemos manter a cabeça limpa e aderir inabalavelmente à política geral dinâmica de zero casos covid”, apontou. “A persistência leva à vitória”, ditou.

LUSA/HN

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