“A morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente”, é estabelecido num novo ponto acrescentado ao artigo 3.º do decreto que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e ao qual a Lusa teve acesso.
Esta é uma das alterações propostas pelos deputados ao último decreto aprovado pelo parlamento e que acabou chumbado pelo Tribunal Constitucional no final de janeiro, embora não por esta razão.
Uma das inconstitucionalidades apontadas pelos juízes do Palácio Ratton ao último decreto era o facto de o legislador ter feito “nascer a dúvida”, na definição de ‘sofrimento de grande intensidade’, se a exigência de sofrimento físico, psicológico e espiritual era cumulativa ou alternativa.
Em comparação ao último decreto, é retirada totalmente a referência a sofrimento físico, psicológico e espiritual, mantendo-se os termos da restante definição.
Neste novo texto, ‘sofrimento de grande intensidade’ é definido como “o sofrimento decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa”.
Já no artigo 9.º, referente à ‘concretização da decisão do doente’ lê-se que “o médico orientador informa e esclarece o doente sobre os métodos disponíveis para praticar a morte medicamente assistida, designadamente a autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito, mas sob supervisão médica”, acrescentando-se a frase: “quando o doente estiver fisicamente incapacitado de autoadministrar fármacos letais”.
Deste ponto foi retirada a frase “sendo a decisão da responsabilidade exclusiva do doente”.
O diploma sobre a morte medicamente assistida vai ser reapreciado pelos deputados na sexta-feira.
A morte assistida é o ato que leva à morte de um doente por sua vontade, através do ato de um profissional de saúde (eutanásia) ou através de suicídio assistido.
Nas declarações de voto dos juízes do Tribunal Constitucional, que acompanharam o acórdão de 30 de janeiro, que considerou inconstitucionais algumas normas do último decreto, alguns juízes abordaram a questão de a eutanásia poder estar condicionada à impossibilidade do suicídio medicamente assistido.
Por exemplo, o presidente do TC, João Caupers, defendia que “a eutanásia não pode constituir uma alternativa livre: o recurso a ela deve estar condicionado à impossibilidade do suicídio assistido”.
“Apenas desta forma se pode respeitar o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade”, considerava.
No final de janeiro, o Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucionais algumas das normas do decreto que pretendia regular a morte medicamente assistida, em resposta ao pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República.
Na altura, o TC considerou que foi criada “uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação” do decreto, concluindo que, ao caracterizar a tipologia de sofrimento em “três características (“físico, psicológico e espiritual”) ligados pela conjunção “e”, são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto”.
Contudo, no mesmo acórdão, o TC considerou constitucionais as definições de “doença grave e incurável” e de “lesão definitiva de gravidade extrema” contidas naquele decreto, conceitos que tinham suscitado dúvidas ao Presidente da República.
A Assembleia da República vai ter de aprovar pela quarta vez uma lei sobre a morte medicamente assistida, tema que já foi travado por duas vezes após inconstitucionalidades detetadas pelo TC e uma outra através de um veto político do Presidente da República.
LUSA/HN
0 Comments