Surf adaptado na Tocha assume-se como “arma terapêutica” para doentes internados

21 de Julho 2024

O Centro de Reabilitação Rovisco Pais dinamiza há dez anos surf adaptado na Praia da Tocha para os seus doentes, com a atividade a assumir-se como uma “arma terapêutica” e, para muitos, um regresso à praia que achavam impossível.

A manhã de sábado é de nevoeiro e até se sente alguma chuva na Praia da Tocha, no concelho de Cantanhede, mas nada parece demover utentes e voluntários que se juntam para mais um dia de surf adaptado, iniciativa que começou em 2014 e cujos resultados são tão positivos que se tem repetido todos os anos desde então.

O receio que poderia haver de entrar no mar rapidamente é substituído por sorrisos rasgados em cima de pranchas, há quem peça para repetir e há quem prolongue um pouco o momento, já à beira-mar, com a água nos pés e a saborear aquilo que para muitos é um primeiro regresso à praia.

Amílcar Mendes está sentado junto ao mar, com fato de surf vestido, a contemplar as ondas, e só tem coisas boas a dizer da experiência, para a qual estava com bastantes expectativas.

“Foi muito bom, melhor até do que aquilo que eu estava à espera”, conta à agência Lusa o homem de 74 anos, da Marinha Grande.

Foi a primeira vez que experimentou estar na água desde que é utente do Rovisco Pais, centro de medicina de reabilitação localizado na Tocha que faz parte da Unidade Local de Saúde de Coimbra.

“Depois de ficar doente ainda não tinha tido a experiência de estar na água e foi muito bom. Experimentar a leveza do corpo… é outra liberdade”, conta Amílcar, que nunca tinha imaginado que algum dia estaria sequer em cima de uma prancha de surf.

O fisiatra e diretor do serviço de lesões medulares do Rovisco Pais, Paulo Margalho, diz que a iniciativa começou com um desafio das pessoas surf da Tocha, há dez anos e, desde então, em parceria com três escolas de surf locais, o hospital tem repetido a experiência.

“O desporto é uma arma terapêutica, tal como o medicamento e a fisioterapia. E aqui, além da vertente lúdica que tem, saem da rotina do hospital e acabam sempre animados e satisfeitos”, notou.

Segundo o médico, com esta experiência, além da possibilidade de terem outra liberdade de movimentos na água, “revivem um bocadinho o antes da lesão”.

“Muitos não achavam que poderiam ir ao mar, muito menos fazer surf e vê-se o sorriso que têm assim que apanham a onda”, constatou, considerando que a iniciativa motiva também o regresso ao domicílio e mostra que é possível, com alguma adaptação, “a retoma da vida lá fora”.

Todos os anos participam entre 15 e 20 utentes, entre internados e outros que já tiveram alta, com a ajuda das escolas de surf, mas também de vários funcionários do Rovisco Pais, que colaboram de forma voluntária nesta iniciativa.

É o caso de Marcos Vinícius, de 26 anos, que já tinha participado na iniciativa há dois anos e que é membro da equipa de andebol adaptado do Rovisco Pais.

“Na altura, foi a primeira vez que fui ao mar depois do acidente. Não sabia se ia conseguir, mas consegui ficar equilibrado na prancha, também bebi um pouco de água, mas apanhei umas ondas boas”, contou à Lusa o jovem que vive na Tocha e que ficou paraplégico em 2019, na sequência de um acidente de trabalho.

Há dois anos, o regresso à praia, foi também “importante” para Marcos, numa fase “meio triste” da sua vida.

“Há uma sensação de liberdade ali e esqueces todos os problemas”, vinca.

À segunda vez, já foi com “outra confiança”, voltou a beber água, mas apanhou “mais ondas”.

Já Marco Soares, de 24 anos, que ficou paraplégico em março após um acidente de mota, admite “algum receio”, mas acredita que “vai ser uma boa experiência”.

Os sorrisos do jovem de Figueira Castelo Rodrigo em cima da prancha confirmaram o seu prenúncio.

“O que sabemos é que a partir do momento da lesão estas primeiras experiências são muito importantes. Não sabem como vai ser o acesso à praia e isto é uma primeira experiência de surf, mas também a primeira vinda à praia, e isto não é só importante para eles, mas também para a sua família, para mostrar que, com adaptações, é possível vir à praia e até fazer surf”, apontou Bruno Salgueiro, professor de desporto adaptado no Rovisco Pais.

Para o docente, que está envolvido no projeto desde o seu arranque, a iniciativa é também um momento – entre muitos outros – de desconstrução de barreiras que podem ser suplantadas e preparar uma reabilitação com “o maior grau de independência possível”.

LUSA/HN

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