Limite de horas impede resposta à escassez de médicos do trabalho em Portugal

30 de Março 2025

Portugal dispõe de cerca de 1.200 médicos de medicina do trabalho, uma classe envelhecida e que está proibida por lei de trabalhar mais de 150 horas por mês, uma limitação que a ordem considera um “perfeito absurdo”.

“Ao contrário de qualquer outra especialidade – e tenho sérias dúvidas da legalidade disso – a medicina do trabalho é a única que tem um limite de horário de trabalho semanal. Por lei, o médico do trabalho só pode exercer 37,5 horas por semana”, adiantou à agência Lusa a presidente do Colégio de Medicina do Trabalho da Ordem dos Médicos.

Em causa está o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no trabalho, uma lei de 2009 que determina que aos médicos do trabalho “é proibido assegurar a vigilância da saúde de um número de trabalhadores a que correspondam mais de 150 horas de atividade por mês”, ficando sujeitos a uma contraordenação grave em caso de incumprimento desse limite.

Se não houvesse esse limite legal de 37,5 horas semanais, a atual carência de especialistas de medicina do trabalho deixaria de existir no país, salientou Maria José Almeida.

“Se um médico do trabalho pudesse trabalhar as mesmas horas do que qualquer outro médico de outra especialidade, já não haveria essa limitação” da falta de especialistas, adiantou a presidente do colégio da ordem, para quem esta é também uma especialidade com uma média de idades elevada e com maior concentração nos centros urbanos e no litoral.

De acordo com o Livro Verde do Futuro da Segurança e Saúde no Trabalho, em causa está uma das especialidades mais envelhecidas, com uma considerável proporção de médicos com 60 anos ou mais, e que se debate com um número reduzido de vagas anuais para o internato médico.

“Todos os anos as vagas vão aumentando, mas estamos a tentar, internamente e junto da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), rever o nosso plano de formação de forma a permitir que esse número tenha um aumento substancial nos próximos anos para conseguirmos pôr mais médicos no mercado”, adiantou a presidente do colégio da especialidade.

Maria José Almeida avançou que um estudo da Ordem dos Médicos indica que seriam necessários cerca de 50 médicos a entrar para a formação especializada anualmente, quando, na prática, rondam os 30.

A especialista admitiu que esse não é o número ideal, mas realçou ser necessário garantir “que os serviços de idoneidade formativa têm verdadeiramente condições para receber médicos internos” e os formar durante quatro anos com qualidade.

“Neste momento, todos os sítios possíveis de ter médicos internos já estão com a idoneidade atribuída e já estão com a sua capacidade praticamente no limite. Portanto, nós precisamos que as Unidades Locais de Saúde abram serviços internos para podermos formar mais médicos a nível nacional”, afirmou.

Depois de salientar que se trata de uma “especialidade apaixonante” que é exercida em cerca de 90% nas empresas, Maria José Almeida defendeu que a medicina no trabalho tem capacidade de atração de novos médicos, uma vez que permite uma “formação ampla e a possibilidade trabalhar nos sítios mais diversos”.

“Um médico do trabalho pode, ao mesmo tempo, trabalhar numa fábrica de atum, numa fábrica de calçado, numa fábrica de navios e num hospital e tem uma diversidade de patologias, porque o nosso foco não é um doente, mas um trabalhador”, considerou a especialista.

A presidente do colégio de medicina do trabalho da Ordem dos Médicos reconheceu também que a maioria das empresas ainda encara a medicina do trabalho como uma obrigação legal que tem de cumprir, mas disse acreditar que, num futuro próximo, vai aumentar a consciência dos benefícios da prevenção da doença e dos acidentes de trabalho e do acréscimo de produtividade.

Em relação às doenças profissionais, Maria José Almeida avançou que as musculoesqueléticas são as mais diagnosticadas, mas nos últimos anos, e decorrente da pandemia da covid-19, passou a existir uma maior atenção dos médicos do trabalho para patologias psicossociais.

“Existe um acréscimo desses diagnósticos, o que não quer dizer que as pessoas estejam agora mentalmente mais doentes do que há anos, mas sim forma de olhar com uma consciência diferente”, referiu.

Da perspetiva dos trabalhadores, Maria José Almeida alertou que, tendo em conta o elevado número de pessoas sem médico de família em determinadas regiões, o “médico do trabalho é, em muitas circunstâncias, o único com o qual têm contacto”.

“A sensação que eu tenho – e trabalho numa ULS e a nível empresarial – é que as pessoas veem muitos benefícios, porque sentem-se ouvidas e sentem-se enquadradas na perspetiva da empresa”, realçou a médica.

lusa/HN

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