Especialistas apresentam hoje recomendações para uso clinico de psicadélicos

12 de Maio 2025

Um grupo de trabalho que inclui as ordens dos médicos, farmacêuticos e psicólogos e o Conselho Nacional de Ética apresenta hoje um conjunto de recomendações para o uso clínico de psicadélicos, defendendo que sejam enquadrados como medicamentos.

“A forma de aceder a eles [medicamentos] exige que haja um prescritor e que, após a emissão da prescrição, o doente recorre a um sistema médico, clínico e farmacêutico que lhe permite aceder àquela substância”, explicou à Lusa Albino Oliveira Maia, diretor da Unidade de Neuropsiquiatria da Champalimaud e membro do grupo de trabalho.

Sublinhando que “não deve haver exceções”, recorda que, às vezes, as substâncias, mesmo sendo medicamentos, podem ser usadas indevidamente em circuitos paralelos de comercialização.

“Os psicadélicos não são um caso único em relação a substâncias em que pode haver interesse de consumo fora do sistema médico e dentro do sistema médico”, disse o investigador, acrescentando: “A circunstância que é específica neste caso é que estamos a fazer um movimento de transformação em medicamentos de substâncias que existem fora do mundo médico, farmacêutico e clínico”.

O documento com as recomendações, que será apresentado pelas 17:30, no Auditório da Fundação Champalimaud, teve a contribuição das ordens dos médicos, farmacêuticos e psicólogos, assim como do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.

Albino Oliveira Maia, que é médico psiquiatra, reconheceu que “há um entusiasmo” no uso clínico de psicadélicos e muita divulgação e lembrou que estão disponíveis “fora de um circuito clínico protegido”.

Para o médico, esta oferta está a levar a um aumento do consumo e, como exemplo, apontou o Reino Unido, onde as substâncias psicadélicas são as únicas com tendências de aumento de consumo (recreativo).

O especialista alertou ainda que há estruturas que estão a fazer a comercialização e distribuição não médica, na maior parte das vezes ilícita, dessas substâncias, e “utilizam a evidência médica como um elemento promocional”.

Outro dos exemplos apontados é o Canadá, onde se registou uma procura de locais online que vendem psicadélicos e usam a evidência médica e clínica para dizer que fazem bem em determinadas circunstâncias, mas muito poucos informam dos riscos e efeitos laterais.

“Estamos a criar um ambiente perfeito para poder haver utilização de substâncias que têm riscos, por pessoas que são particularmente frágeis e sem estarem montados os sistemas de proteção que temos no âmbito da utilização do medicamento”, alertou.

Sublinhou ainda que este grupo de trabalho não se quer substituir aos reguladores, mas apenas dar um contributo, sobretudo nos casos em que não há ainda regulamentação aprovada.

Como exemplo, referiu o uso da cetamina (que é um anestésico) para alguns casos de depressão.

“Do ponto de vista da utilização destas substâncias como medicamento, não devemos ter um regime de exceção”, referiu o investigador, acrescentando: “o que estamos a dizer é o que fazer ao abrigo de princípios de precaução quando ainda não há evidências suficientes para as entidades regulamentares se pronunciarem”.

Além de enquadrar o uso clínico de psicadélicos como medicamentos, o grupo de trabalho recomenda que os médicos que prescrevem as substâncias e os profissionais responsáveis pela psicoterapia tenham formação específica e que as sessões ocorram apenas em ambiente hospitalar: “como estes medicamentos provocam alterações do estado da consciência, devem ser administrados em ambiente hospitalar. (…) Só aí se reúnem as condições para administrar a substância com elevado nível de segurança para o doente”, defendem.

Nalguns casos, com psicadélicos que podem reduzir a probabilidade de recusa de consentimento, durante a sessão é proposta a presença de dois profissionais.

Outra das recomendações é a exigência do consentimento informado. Como são substâncias que alteram o estado de consciência, a pessoa deve decidir antecipadamente se concorda com todas as condições apresentadas (benefícios e riscos).

Quando o processo de tratamento incluir várias sessões, e porque “é também um processo de mudança”, a recomendação é que se vá recuperando e atualizando o consentimento inicial, para garantir que continua válido.

Se por algum motivo o doente não tiver competência para assinar o consentimento informado – por exemplo, por doença mental grave ou incapacidade cognitiva recomenda-se que o tratamento só seja feito com recurso a um tutor ou representante legal.

A equidade no acesso é outra das preocupações dos especialistas: “quando estamos a falar em relação a utilizações ‘off-label’ [fora da indicação para a qual a substância está aprovada], não havendo informação suficiente para uma definição e decisão regulamentar, também não há (..) para assegurar todos os processos que permitem um acesso equitativo”.

“Se os tratamentos estiverem disponíveis apenas para aqueles que os podem pagar, contribuirão para aumentar o fosso no acesso a cuidados de saúde mental”, refere o documento, a que a Lusa teve acesso.

lusa/HN

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