“Quando o vírus atingiu o nosso país, decidimos criar uma máquina que pudesse descontaminar espaços ou, por exemplo, dinheiro”, disse Kiuna à agência Efe, na sua oficina na cidade de Kikuyu, no condado de Kiambu, a norte de Nairobi.
O contraste entre a vida rural e o trabalho de investigação destes dois jovens, com 26 e 29 anos, respetivamente, reflete-se no ambiente que os rodeia: Por um lado, centenas de computadores velhos, muitas vezes abertos e estripados, expondo os seus cabos e sistemas internos e, do outro, o cacarejar das galinhas e o ladrar dos cães como música de fundo.
“Neste momento utilizamos matérias-primas de outros dispositivos descartados porque não temos um lugar ou recursos para obter os materiais necessários e produzir em cadeia”, diz Kiuna, vestida com o seu macacão vermelho elétrico.
Graças às peças em segunda mão que obtêm destes dispositivos, conceberam numerosas soluções tecnológicas nos últimos anos, tais como um braço robótico ou uma aplicação de segurança, mas nos últimos meses, face à crise mundial da saúde, concentraram os seus esforços no desenvolvimento de uma “máquina desinfetante”.
O dispositivo, que ainda se encontra na fase de protótipo e, de momento, tem menos de um metro de altura, oxida moléculas de oxigénio para o converter noutro gás, o ozono, que tem uma grande capacidade como desinfetante, explica Gathu, enquanto demonstra o seu funcionamento.
A estrutura de madeira – também feita com restos de peças descartadas pelo carpinteiro – inclui um tubo que absorve o ar e o faz passar através de um filtro, para separar o oxigénio dos outros gases que o compõem.
Uma vez no interior, explicam os jovens, as moléculas de oxigénio passam para uma espécie de cilindro de vidro, um material escolhido por não ser condutor de eletricidade, e são sujeitas a elevadas cargas energéticas que desestabilizam os seus átomos e os fazem perder eletrões, transformando-os em moléculas de ozono, que impedem “que o vírus continue a replicar-se”.
Este método de desinfeção tem sido utilizado durante décadas, tanto em hospitais como na indústria alimentar, mas Kiuna e Gathu têm-no produzido com meios materiais muito limitados e manualmente na sua pequena oficina.
Os jovens não puderam prosseguir o ensino superior porque não podiam suportar os custos da universidade, mas a sua paixão vem de longe: “Já no liceu estávamos envolvidos em clubes científicos e em vários programas tecnológicos”, recordam.
Desde então, ou mesmo antes, já que ainda crianças gostavam de navegar e fazer perguntas em lojas de eletrónica, Moisés Kiuna e David Gathu aprenderam e pesquisaram de forma autodidata, através dos livros que preenchem a sua oficina ou da internet.
Além desta invenção, Kiuna e Gathu trabalham há anos em dispositivos que conseguem “transformar o que foi descartado em ouro”, dizem.
Em 2018 chegaram a vender a vários vizinhos do bairro um dispositivo de segurança para evitar assaltos domésticos, que funcionava com base em sensores de movimento e raios infravermelhos, de modo a detetar qualquer movimento no exterior da casa e enviar uma mensagem alertando automaticamente o proprietário.
Enquanto esperam para reunir os recursos necessários para produzir em grande escala, estes dois quenianos – que trabalham na reparação de dispositivos eletrónicos para pagar pelos seus projetos – continuam a dar uma segunda oportunidade à tecnologia que outros descartam.
Desta forma, estão a desafiar os ritmos de produção de um sistema que a própria pandemia tem posto em causa.
Lusa/HN
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