Avanços e recuos das negociações sobre o ‘Brexit’

23 de Dezembro 2020

Muito perto, mas demasiado longe foi como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, descreveu o estado das negociações pós-Brexit em meados de dezembro, mas este poderia ser um retrato das relações entre Londres e Bruxelas. 

Passados quatro anos desde o referendo que ditou a saída formal do Reino Unido da União Europeia (UE) em 31 de janeiro, o processo de divórcio só acentuou a relação conflituosa entre o Reino Unido e o bloco europeu após um “casamento” de 46 anos.

Nos últimos 11 meses as discussões centraram-se no modelo do futuro relacionamento, sobretudo económico, sendo o prémio a continuação do acesso mútuo aos mercados sem taxas aduaneiras nem quotas, estatuto que a UE nunca deu a qualquer outro país terceiro.

A estratégia do executivo do primeiro-ministro, Boris Johnson, foi sempre aumentar a pressão sobre Bruxelas para obter cedências, primeiro rejeitando uma extensão da transição, e portanto, das negociações, e depois criando vários momentos de tensão, como a proposta de legislação interna que violaria o direito internacional.

A Lei do Mercado Interno, destinada a regulamentar o comércio interno britânico fora das regras europeias, acabou por ser aprovada sem as cláusulas controversas que se iriam sobrepor a partes do Acordo de Saída da UE, em particular relativamente à Irlanda do Norte.

O Governo britânico também voltou à mesa depois de uma breve interrupção das negociações em outubro, mostrando que o interesse num acordo era maior do que a ameaça de avançar para uma solução “tipo australiana”, ou seja, sob as condições gerais da Organização Mundial do Comércio.

Pendentes continuam questões relacionadas com os apoios estatais e as medidas de controlo e de retaliação se a divergência regulatória do Reino Unido conferir uma vantagem competitiva às empresas britânicas que negoceiam no Mercado Único.

Na questão das pescas persistem lacunas nas quotas e espécies atribuídas aos barcos europeus, a área das águas a que teriam acesso e um período transitório   até à introdução de novas condições.

As interdições de viagem de países europeus ao Reino Unido nos últimos dias por causa da nova variante do SARS-Cov-2 contribuíram para uma tempestade perfeita de atrasos nos portos marítimos causados pelas restrições da pandemia Covid-19, aprovisionamento para o Natal e fim do período de transição pós-Brexit.

As imagens de filas de camiões bloqueados a caminho de Dover anteciparam as consequências previstas de uma ausência de acordo (‘no deal’), pelo que notícias de uma contraoferta pelo Reino Unido na segunda-feira reforçaram esperanças num entendimento.

Vários analistas estão convencidos de que, no final, um acordo será alcançado, tendo em conta que mais de 700 páginas já estão escritas.

Mujtaba Rahman, diretor na Europa da consultora Eurasia Group, acredita que o arrastar das negociações pode dar uma “vantagem tática” a Boris Johnson para “limitar ao mínimo o escrutínio do Parlamento de um acordo, de modo a não ser desmontado” pelos eurocéticos do próprio partido Conservador.

Um acordo de última hora coloca também pressão sobre o Partido Trabalhista, principal força da oposição, que prometeu votar “no interesse nacional” e vai querer evitar uma rotura caótica e onerosa com o principal parceiro económico.

A confirmar-se, Westminster deverá analisar o texto entre o Natal e o Ano Novo e condensar o processo legislativo em um ou dois dias, enquanto o Parlamento Europeu reservou 28 de dezembro para debater e aprovar o texto.

 As duas partes têm dito que 31 de dezembro é o único prazo que realmente interessa e Londres continua a recusar um prolongamento das negociações ou da transição, mas, neste processo cheio de reviravoltas e incertezas, nada parece ser impossível.

LUSA/HN

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