Preço dos fertilizantes deverá afetar produção agrícola em África

19 de Março 2022

O aumento dos preços dos fertilizantes, que começou em 2021 e se agravou com a invasão da Ucrânia, deverá afetar a quantidade e a qualidade da produção agrícola em África, onde já há falta de trigo, disse um especialista.

“Em África há bastante consumo de trigo e isso acontece nas zonas onde o trigo é produzido, essencialmente na região a sul do Quénia, Uganda, Zimbabué até à África do Sul. Já há escassez de trigo e os preços do trigo subiram. (…) E isto já está a acontecer agora e não estamos no final desde conflito, por isso é muito preocupante”, disse Josef Schmidhuber, vice-diretor da divisão de Comércio e Mercados na Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

A Rússia e a Ucrânia estão ambas entre os três maiores exportadores mundiais de trigo, milho, sementes de girassol e óleo de girassol, enquanto a Rússia é o maior exportador mundial de fertilizantes nitrogenados e o segundo maior fornecedor de fertilizantes potássicos e fosforosos.

Os preços dos fertilizantes, que já tinham subido no final de 2021 devido ao aumento dos preços do gás, essencial para a produção destes químicos, subiram ainda mais desde o início do conflito na Ucrânia devido às restrições de comércio com a Rússia e às tensões geopolíticas, entre outros fatores, segundo a FAO.

Em entrevista à Lusa por telefone sobre o impacto do aumento dos preços dos fertilizantes na agricultura africana, Josef Schmidhuber explicou que África não é um continente onde o uso de fertilizantes seja muito elevado, mas sublinhou que, quando os preços aumentam, os produtores africanos reagem mais fortemente do que os dos países mais desenvolvidos, que têm mais capacidade de amortecer esses custos.

Além disso, se os produtores dos países desenvolvidos não reduzirem o consumo de fertilizantes e a produção diminuir, os produtores nos países em vias de desenvolvimento serão forçados a reduzir ainda mais o seu uso, acrescentou.

O especialista da agência das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura lembrou que em 2008, quando os preços dos fertilizantes atingiram valores recorde, o uso de alguns destes produtos caiu até 20% em África.

Uma quebra no uso de fertilizantes terá como resultado menos produção agrícola, mas também menos qualidade dos produtos, afirmou o responsável, exemplificando com o caso do trigo.

“O trigo é especial porque é um dos poucos cereais que usamos para fazer pão (…) e um elemento importante do trigo é a proteína, o glúten”.

Para o trigo ter muito glúten, precisa de fertilizante, pelo que, “se faltar fertilizante, para o ano haverá muito mais trigo para ração, com menor teor de proteína, e trigo insuficiente para moagem”.

Isto é um problema, sublinhou o especialista, porque já existe falta de trigo neste momento e “o trigo é único, é muito mais difícil de substituir do que por exemplo o milho”.

Enquanto os Governos do norte de África têm fortes subsídios para o consumo de pão, que cobrem a baixa produção de trigo, e têm rendimentos do petróleo que lhes permitem comprar trigo no mercado internacional, os países da África subsaariana não têm essa capacidade financeira.

Além disso, alertou Schmidhuber, muitos desses países compravam trigo à Rússia e à Ucrânia, que lhes forneciam o cereal a preços baixos.

A Eritreia, exemplificou, recebe 100% do trigo que consome destes dois países em guerra.

Perante a impossibilidade de comprar trigo a estes dois grandes produtores, os países africanos terão de recorrer a outros fornecedores, que irão cobrar preços mais altos, o que os deixará “numa situação difícil, em que não poderão comprar tanto como gostariam”.

Se a guerra terminar em breve, Schmidhuber acredita que será possível evitar um colapso nas cadeias globais de fornecimento de alimentos, mas se a guerra se prolongar “isso teria impactos severos”.

Para já, o especialista admite que se vive uma “situação muito tensa” no caso do trigo, do fertilizante, mas também do óleo de girassol, do qual a Ucrânia é um dos maiores produtores mundiais.

“Mas no geral o grande mercado de cereais está bem abastecido”.

Segundo a FAO, 250 milhões de pessoas em África não têm comida suficiente para comer todos os dias, perto de mil milhões de pessoas em África não têm dinheiro para comprar alimentos nutritivos, e os países africanos continuam a lutar com os impactos económicos da pandemia da covid-19.

Numa nota publicada no início do mês, a FAO estima que, se o conflito na Ucrânia resultar numa redução prolongada das exportações de alimentos da Ucrânia e da Rússia, o número global de pessoas subnutridas poderá aumentar em entre oito e 13 milhões de pessoas até 2023, com os maiores aumentos a verificar-se nas regiões da Ásia-Pacífico, África subsaariana, Médio Oriente e Norte de África.

LUSA/HN

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