“Este estudo permitiu entender com mais detalhe o processo molecular de transferência de resistência a antibióticos dentro do corpo humano e os desafios que enfrentamos no seu combate”, adiantou à agência Lusa Tiago Costa, investigador no Centre for Bacterial Resistance Biology do Imperial College London.
Na prática, o grupo de investigação da universidade britânica apurou que as bactérias que colonizam o intestino humano conseguem construir estruturas para se ligarem entre si e transferirem ADN, permitindo-lhes, através desse processo, ganhar uma maior resistência aos antibióticos.
No final de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou que a resistência bacteriana a antibióticos está entre as 10 principais ameaças à saúde pública global, salientando a sua “grande preocupação” com as infeções sanguíneas em contextos hospitalares.
No seu relatório sobre o sistema de vigilância, a OMS sublinhou que a medicina moderna depende de medicamentos antimicrobianos eficazes, mas alertou que foram registadas altas taxas de infeções resistentes em toda uma ampla gama de microrganismos nas várias regiões da OMS.
“O nosso próximo desafio passa por identificar, em parceria com a indústria farmacêutica, novos compostos químicos que consigam desmantelar esta estrutura e, dessa forma, inibir o processo de proliferação da resistência entre bactérias e a formação de biofilmes”, explicou o académico português.
A equipa liderada por Tiago Costa dedica-se a investigar como é que as bactérias conseguem transferir DNA entre elas, permitindo-lhes reforçar a sua resistência aos antibióticos.
Este trabalho, agora publicado na revista científica Nature Communications, demonstrou que bactérias como E. coli que colonizam o intestino humano constroem uma superestrutura tubular chamada “F-pilus” na superfície da célula para ligar várias células bacterianas.
Estas estruturas moleculares, formadas por proteínas e lípidos, “são cruciais para a transferência de genes que codificam para a resistência a antibióticos”, explicou o investigador, ao adiantar que, até agora, pensava-se que as condições extremas no interior do corpo humano, como a turbulência, a temperatura e a acidez, degradavam esta estrutura, fazendo com que a resistência aos antibióticos fosse mais difícil de disseminar entre as bactérias.
“O nosso artigo demonstra que bactérias desenvolveram esta superestrutura com capacidades únicas capazes de resistir em ambientes extremos e, desta forma, acelerar a transferência da resistência a antibióticos entre elas”, salientou Tiago Costa.
Os investigadores descobriram ainda que estas bactérias utilizam esta estrutura para criar comunidades bacterianas, chamadas biofilmes, que as protegem da ação dos antibióticos.
Os cientistas do Imperial College London utilizaram técnicas avançadas de microscopia eletrónica, que permitiram visualizar e estudar em grande detalhe essas estruturas e entender os princípios que estão por detrás desses mecanismos.
Segundo Tiago Costa, em 2019, a resistência antimicrobiana foi associada a 4,9 milhões de mortes a nível mundial, cerca de 1,3 milhões diretamente atribuídas a infeções causadas por bactérias resistentes a antibióticos.
Essa resistência deve-se, em termos gerais, à fraca prevenção e controlo em meio hospitalar, falta de investimento da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novos antibióticos e insuficiente monitorização global das infeções bacterianas, adiantou.
“Para combater esta nova epidemia temos de criar uma estratégia global que leve a uma prevenção antecipada das infeções, um diagnóstico rápido e preciso do agente infeccioso, seguido de uma prescrição adequada e efetiva do antibiótico necessário”, alertou ainda Tiago Costa.
Mais de 35 mil pessoas morreram por ano na Europa, entre 2016 e 2020, devido a infeções motivadas por resistência a medicamentos antimicrobianos, segundo um relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) divulgado em novembro de 2022.
De acordo com o ECDC (sigla em inglês), cujas estimativas divulgadas abrangem os países do Espaço Económico Europeu, o impacto da resistência antimicrobiana na saúde é comparável ao da gripe, tuberculose e sida no seu conjunto.
NR/HN/Lusa
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