Caso gémeas: Aguiar-Branco trava pedido do Chega para aceder a processos clínicos de outras crianças

13 de Fevereiro 2025

 O presidente da Assembleia da República considera que atenta contra a Constituição o pedido do Chega para que comissão de inquérito do caso das gémeas aceda a processos clínicos de três outras crianças com atrofia muscular espinhal.

“A requisição do processo clínico dessas três crianças exorbita claramente os poderes de investigação proporcionados pelo inquérito [parlamentar], a ponto de atentar manifestamente contra preceitos constitucionais”, concluiu-se no despacho de pronúncia de José Pedro Aguiar-Branco, ao qual a agência Lusa hoje teve acesso.

No mesmo despacho, o presidente do parlamento aceita em contrapartida a validade de um segundo requerimento, este interposto pelo PSD, precisamente destinado a travar o referido pedido do Chega.

“Conclui-se que o requerimento [do PSD] de suspensão de eficácia do pedido de obtenção dos processos clínicos, destinado a suspender uma situação de flagrante ilegalidade e a obstaculizar a produção do efeito ilícito, afigura-se um instrumento adequado”, lê-se no texto.

Na comissão de inquérito parlamentar sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma, o Chega requereu que fossem “efetuadas todas as diligências necessárias para a obtenção do processo clínico da Alana, do Miguel e da Daniela, menores com atrofia muscular espinhal”.

O Chega sustentou que as diligências instrutórias solicitadas pelos deputados de uma comissão parlamentar de inquérito são de “realização obrigatória”, consubstanciando-se num direito potestativo.

O PSD, porém, requereu a suspensão do pedido de acesso a processos clínicos de menores por considerar que seria “suscetível de violar o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada de crianças alheias aos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito”.

Perante este confronto de posições, no seu despacho, o presidente da Assembleia da República começa por salientar que os “dados de saúde integram a categoria de dados relativos à vida privada, assumindo particular relevância a tónica da confidencialidade”.

“O objetivo da comissão parlamentar de inquérito é o apuramento de eventuais irregularidades ou ilicitudes das entidades administrativas ou de titulares de cargos políticos que tenham interferido na atividade do Serviço Nacional de Saúde que proporcionou o tratamento às duas crianças luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma, e não quaisquer outras crianças – designadamente à Alana, Miguel e Daniela”, assinala.

Assim, segundo o presidente do parlamento, “a requisição do processo clínico destas três crianças exorbita claramente os poderes de investigação proporcionados pelo inquérito, a ponto de atentar manifestamente contra preceitos constitucionais diretamente aplicáveis, como é o caso das disposições atinentes a direitos, liberdades e garantias”.

José Pedro Aguiar-Branco sustenta também que “a requisição do processo clínico destas três crianças não satisfaz os requisitos de fundamentação e não reflete um juízo acerca da utilidade, adequação, necessidade e proporcionalidade das informações e documentos cujo conteúdo se pretende obter”.

Salienta, ainda, que “a violação do respeito pela vida privada destas três crianças, que lhes confere o direito de manterem secreto o seu estado de saúde, comportaria um sacrifício manifestamente excessivo para os interesses prosseguidos, relativamente às vantagens diminutas para a descoberta da verdade relevante e o resultado do inquérito parlamentar ou da sua expressão”.

“Conclui-se que o pedido de acesso aos processos clínicos destas crianças, alheias à comissão parlamentar de inquérito, apresentado pelo Chega, (…) afigura-se ilegal e ilegítimo, por incidir sobre a esfera privada de menores que, por sinal, beneficiam de uma tutela reforçada e de proteção especial, por força da sua vulnerabilidade”, acrescenta-se.

LUSA/HN

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