Covid-19: Marta Temido enfrentou pressão e criticas mas deixou Governo por outras razões

1 de Março 2025

Marta Temido enfrentou desafios, críticas e pressão na pandemia, mas acabou por deixar o Governo mais tarde devido ao desgaste da relação com os profissionais de saúde e por sentir que os portugueses estavam cansados da ministra que lhes pediu sacrifícios.

Em entrevista à agência Lusa, a propósito da passagem de cinco anos sobre o aparecimento dos dois primeiros casos de covid-19 em Portugal, em 2 de março de 2020, e questionada sobre se a saída do Governo foi o culminar de muita pressão e de cansaço, a antiga ministra da Saúde disse que “também estava cansada, mas sobretudo as pessoas estavam cansadas. Estavam cansadas da pessoa que lhes tinha pedido sacrifícios”.

“Acho que precisavam de uma mudança de atores e, sobretudo, a minha relação com os profissionais de saúde estava muito desgastada e, portanto, o melhor é ser capaz de sair. E acho que, durante algum tempo, foi possível criar ali uma lufada de ar fresco”, salientou.

Marta Temido disse nunca se ter sentido injustiçada. “Sei que fiz o melhor que sabia. Sei que tive comigo, e tive essa sorte, pessoas que fizeram muito melhor do que eu e que me ajudaram a vencer todos os dias (…) e que me deram força em muitos momentos e isso ajudou-me a estar focada na resposta a cada momento. Quando saí, saí com tranquilidade”, em setembro de 2022.

O dia 2 de março “ficará para sempre na memória” porque é o dia do seu aniversário. “É daquelas pequenas ironias do destino”, disse Marta Temido, com um sorriso, recordando o que aconteceu antes da chegada da pandemia a Portugal.

“Começámos por ver imagens no final de dezembro, início de janeiro, que vinham da China e mais adiante de Itália e de outros países europeus onde a Covid-19 chegou primeiro (…). Lembro-me de ver as zonas próximas de Bérgamo a serem interditadas ao trânsito e pensar o que é que estão a fazer, o que é isto? E depois aconteceu-nos também a nós”, relatou.

Marta Temido contou que as primeiras horas foram de perplexidade, mas também de necessidade de reação, nunca imaginando que Portugal iria ter uma “avalanche de casos” e acreditando que “o fim poderia ser rápido, coisa que depois se veio a comprovar ser um erro”.

Foi preciso preparar o SNS para garantir prontidão na resposta à pandemia, o que disse ter sido “muito difícil”, porque foi preciso suspender a atividade programada e depois garantir que havia os materiais de consumo clínico, ventiladores e gás medicinal.

“Todos os dias o cenário foi ficando um bocadinho mais complexo até ao momento em que a vacinação, mas isso já é outra fase, começou a permitir ganhar à doença”, comentou a ex-ministra e atual eurodeputada.

Em 18 de março de 2020 foi decretado o primeiro confinamento obrigatório, uma medida acatada ordeiramente. “Mais do que aquilo que tínhamos a certeza de ser o melhor caminho, as pessoas queriam ir para casa, os pais queriam tirar os meninos da escola, etc., mas na perspetiva de que tudo fosse rápido. E não foi”.

Marta Temido salientou que as decisões foram sempre baseadas nas orientações de peritos de várias instituições científicas nas reuniões do Infarmed, “num processo único de formação de decisão e de partilha de decisão”.

“Acho que isso foi a grande mais-valia desse processo e do qual, se calhar, não aprendemos tantas lições quantas deveríamos”, comentou.

Para Marta Temido, “o relativo sucesso” de Portugal na resposta à Covid-19 também se deveu aos atores políticos que, “desde o partido do governo [PS] até aos partidos da oposição, todos dividiam aquele espaço e aquela angústia”.

“Isso tornou possível fazer um caminho em conjunto. Claro que houve momentos de deslaçamento, não foram tudo rosas, nunca poderia ser, houve também muitos espinhos, mas conseguimos chegar até aqui”, declarou.

A ex-ministra também enalteceu o comportamento dos portugueses. “Se há alguém que mereça um agradecimento e uma palavra de gratidão pela forma como a resposta à pandemia foi dada é a população, porque soube ser muito disciplinada, muito cumpridora, muito responsável, muito solidária”.

“Houve uma fase em que o Ministério da Saúde estava inundado de contactos de pessoas que queriam ajudar”, disse, considerando que esta atitude da população foi “muito importante para os profissionais de saúde superarem os seus medos, as suas dificuldades, os seus cansaços e a sensação de que não podiam falhar a uma população que tinha tanta confiança em si”.

Como medida mais difícil de comunicar, Marta Temido apontou o segundo confinamento, em janeiro de 2021.

“Foi o mais dramático, porque não pensei que voltasse a ser necessário. Estávamos todos já muito cansados e era uma espécie de uma nova condenação a uma situação que sabíamos que tinha efeitos psicológicos, económicos e sociais, muito complexos”, vincou.

Sobre como lidou com a pressão e as críticas neste período, Marta Temido disse que foi com “algum distanciamento”, apesar de por vezes magoarem.

“Não é ficar surdos, nem não refletir. É criar um tampão protetor em relação a algumas coisas, sobretudo saber distinguir a crítica construtiva, que nos ajuda a corrigir caminho, a fazer melhor para a próxima vez, porque erramos todos e erramos muito. E se alguém pensa que não erra, desengane-se. A questão é o que é que se faz com o erro”, salientou.

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lusa/HN

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