Em declarações à agência Lusa, em Vila Nova de Gaia, onde decorre a assembleia, representantes da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e da Ordem dos Médicos (OM) fizeram um retrato crítico do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal, um retrato que vão apresentar junto de representantes de organizações médicas de mais de uma dezena de países europeus.
Nesta assembleia-geral está previsto debater, entre outros temas, o reconhecimento da profissão médica como trabalho penoso, um reconhecimento que a FNAM lamenta que “não exista em Portugal, nem em outros países europeus”.
“Em Portugal, temos quase 1.000 médicos a sair por ano, e nós sabemos que, em termos europeus, os nossos médicos saem muito para países como França, Bélgica, Holanda, países escandinavos, portanto, independentemente das dificuldades que estes países têm, seguramente oferecem condições de trabalho mais favoráveis e mais atrativas”, disse à Lusa a presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá.
Uma preocupação partilhada por Hermínia Teixeira, do SIM, para quem o que leva a este “êxodo” é a “melhor capacidade de pagar dos outros países”.
“Há uma diferenciação grande entre países. Portugal tem uma alta formação e diferenciação, forma médicos muito bem, mas depois temos outros países europeus que têm muito melhor capacidade de pagar e com melhores condições de trabalho. E não é só uma questão salarial. A questão salarial é muito importante, mas as condições de trabalho também”, referiu a dirigente do SIM à Lusa.
Também o representante da OM, Paulo Simões, apontou que existiu na Europa “uma clara separação Leste/Oeste, com os países de Leste a serem privados ou serem sugados dos seus recursos, nomeadamente médicos”, algo que se tem modificado e passou a incluir os países do Sul, nomeadamente Portugal.
“Portugal, neste momento, em termos de posicionamento, em termos de condições de trabalho para os médicos, está muito abaixo do que estava há uns anos. Isto também deve ser um motivo de reflexão. Que políticas é que foram adotadas nos últimos 20 anos para alterar esta situação? (…) Há serviços a desaparecer. Pior: há hospitais a desaparecer”, disse.
A este respeito, e usando como indicador o poder de compra, Joana Bordalo e Sá apontou que “Portugal está mesmo na cauda da Europa Ocidental”.
“Nós estamos a investir, a esmagadora maioria dos nossos médicos são formados nas universidades públicas, mas depois o SNS não os consegue atrair, não os consegue fixar, ou até os fixa, se calhar numa fase inicial e depois acabam por sair pela progressão e perspetiva de futuro”, referiu.
O objetivo desta assembleia-geral da FEMS é também a promoção da Declaração de Direitos Fundamentais da Força de Trabalho Médica e a agenda inclui a apresentação de relatórios nacionais sobre a situação dos sistemas de saúde e dos médicos em cada país.
Para a FNAM, o balanço dos últimos meses no SNS “não é bom, dadas as dificuldades em áreas como a saúde maternoinfantil ou as urgências encerradas”, entre outros pontos.
“Temos mais de 1,6 milhões de utentes sem médico de família (…). O balanço não é bom, e a verdade é que podia ter sido feito de forma diferente se este ministério não tivesse recusado negociar e sentar-se à mesa com todos os representantes”, referiu Joana Bordalo e Sá.
Mais otimista, mas também expectante quanto ao próximo executivo, o SIM resumiu os últimos meses na frase: “Conseguimos negociar com o Governo aquilo que nos foi possível”.
“Conseguimos fazer um novo acordo coletivo de trabalho com algumas melhorias, algumas importantes, nomeadamente a jornada contínua nas médicas grávidas, a possibilidade da redução do horário das 40 para as 36 horas, ajustes na flexibilidade de horários, tentar progressivamente diminuir o tempo de trabalho, os turnos em serviço de urgência”, disse Hermínia Teixeira.
Para a sindicalista, o trabalho não está concluído, “nem nunca estará”, mas é um trabalho de negociação de acordo com o Governo e com quem lá estiver”.
“Voltaremos a ter eleições no próximo fim de semana”, afirmou.
Por sua vez, recusando fazer um balanço apenas dos últimos meses, Paulo Simões considerou que “houve uma clara degradação dos serviços e das condições de trabalho ao longo dos últimos anos”.
“E os últimos anos são mais de 10 anos (…). Uma geração que é a minha começou a sair. E essa geração era a geração da dedicação exclusiva, a geração que vestiu a camisola. Neste momento – e não há aqui juízos de valor – os mais novos não estão disponíveis para trabalhar 90 horas por semana”, disse.
Para o dirigente da OM, é preciso “pensar e repensar que condições de trabalho é que se podem oferecer aos mais novos para tornar novamente atrativos os serviços públicos”.
“Esse é um problema que eu não consigo reportar a um governo, a um período, mas é uma situação de 20 anos”, referiu o representante da OM.
Neste evento está prevista a presença da presidente da FEMS, Alessandra Spedicato, bem como de delegados de outras organizações médicas europeias.
NR/HN/Lusa
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