“É preciso que a DGS controle mais de perto estas situações que envolvem lares”, afirma o bastonário, Miguel Guimarães, em declarações à agência Lusa, sublinhando: “Nesta altura de pandemia, a DGS deveria ter mais tentáculos, mais pessoas que permitissem atuar mais longe”.
Miguel Guimarães insiste que, nestes casos mais específicos, “é preciso acompanhar de perto, perceber o que está a acontecer e saber se as coisas estão a ser feitas como deve ser. A nossa intervenção mais ou menos correta pode salvar mais ou menos vidas”.
O relatório da comissão de inquérito da Ordem dos Médicos, a que a Lusa teve acesso, concluiu que o lar de Reguengos de Monsaraz onde um surto de covid-19 provocou a morte de 18 pessoas não cumpria as orientações da DGS e aponta responsabilidades à administração.
O documento diz que não era possível cumprir “o isolamento diferenciado para os infetados ou sequer o distanciamento social para os casos suspeitos”.
“Não existia, por exemplo, definição de circuitos de limpos e de sujos, o que foi feito apenas a 26 de junho, nove dias depois de ter sido confirmado o primeiro caso”, sublinha o relatório da auditoria.
Em declarações à Lusa, Miguel Guimarães disse que o que mais o surpreendeu foi que “a autoridade de saúde e a ARS nada tenham feito para que algumas coisas não tivessem acontecido”.
“A autoridade, de uma forma geral, (…) dá-me ideia que as coisas não foram acompanhadas tão de perto como deveriam ter sido e por isso há vários passos que acabaram por falhar, e passos importantes”, afirmou
A comissão conclui que “os recursos humanos foram insuficientes para a prestação de cuidados adequados no lar, mesmo antes da crise de covid-19, uma situação que se agravou com os testes positivos entre os funcionários, que os impediram de trabalhar”.
Uma das consequências mais graves é que “vários doentes estiveram alguns dias sem as terapêuticas habituais, por falta de quem as preparasse ou administrasse”, diz o documento, sublinhando que “houve casos de preparação e administração de fármacos por pessoal sem formação de enfermagem”.
O relatório afirma ainda que os doentes não foram tratados “de acordo com as boas práticas clínicas”, com responsabilidades “para quem, sabendo que não tinha os recursos humanos adequados e preparados, permitiu que esta situação se protelasse no tempo”.
Diz que foram criadas todas condições para a “rápida disseminação, com responsabilidades para quem geria o espaço, o processo de rastreio epidemiológico e a aplicação das normas da DGS”.
“O processo inicial de rastreio – desde a primeira zaragatoa até aos resultados finais de todos os utentes e funcionários – demorou perto de três dias, período de tempo em que os potencialmente infetados conviviam e partilhavam espaços, quartos, corredores e casas de banho”, explica.
Miguel Guimarães conta também que o que fez mais impressão foi perceber que os idosos que estavam infetados foram retirados para um pavilhão que não tinha condições para ser sequer um hospital de campanha.
“Se as pessoas têm doença mais grave têm de estar no hospital, porque depois não há os meios para escalar tratamentos”, acrescenta.
O surto no lar provocou até final de julho 18 mortos, – 16 utentes, uma funcionária do lar e um homem da comunidade – e provocou no total 162 casos de infeção. No lar, foram contaminados 80 utentes e 26 profissionais, mas a doença propagou-se à comunidade e infetou outras 56 pessoas.
O relatório já foi enviado ao Ministério Público, Ministério da Saúde, Direção-Geral da Saúde e Ordem dos Advogados.
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