Na Unidade de Saúde Familiar (USF) da Baixa, em Lisboa, os médicos não usam batas e vão além da identificação de doenças, preocupando-se com o bem-estar físico, mental e social dos seus utentes. Hoje, muitas vezes, além de exames e medicamentos, optam pela “prescrição social” para cuidar maleitas como o isolamento ou a solidão.
Quando Martino Gliozzi aceitou em 2015 ficar à frente da USF da Baixa, em Lisboa, idealizou uma equipa jovem, “com mais motivação e vontade de mudar as coisas”. Fez entrevistas e convidou um grupo de jovens enfermeiros e médicos recém-especialistas.
Nos encontros explicou que a USF estava responsável por cerca de 16 mil utentes, na sua maioria uma população envelhecida, mas também com 30% de imigrantes de 94 nacionalidades.
Ao longo dos últimos sete anos, as jovens equipas de médicos e enfermeiros aperceberam-se que muitos dos pacientes sofriam de maleitas que não se tratavam com medicamentos.
As equipas desenvolveram várias iniciativas, alguns com associações locais, para dar resposta aos problemas da população identificados nas consultas.
Cristiano Figueiredo é um dos grandes mentores. Nas consultas identificou problemas, com o caso das mulheres grávidas, oriundas do sul da Ásia, que não tinham acesso a sessões de preparação para o parto porque não existiam consultas “em nepalês ou bengali, nem sequer inglês”, contou.
Ali, a informação que vão recolhendo não fica guardada numa gaveta. Transforma-se num desafio que a equipa da USF tenta solucionar.
A USF decidiu então apoiar a associação Nepalese Intercultural Association Lisboa, que funciona do outro lado da Praça Martim Moniz, ajudando a candidatar-se aos fundos do programa “Bairros Saudáveis” para montar um serviço de apoio à grávida do sul da Ásia.
Além da consultadoria técnica, a USF também ajudou a associação a identificar e recrutar grávidas que poderiam beneficiar deste tipo de serviço. Assim, surgiu o “Pregnancy Club” (Clube da Grávida) para as mulheres do sul da Ásia.
Também ajudaram outra associação, a Portugal Multicultural Academy Association, a criar um projeto para aqueles que já são pais, em especial “as mães mais isoladas”, que não têm apoio familiar nem capacidade financeira para colocar os filhos numa creche.
Tânia Meneses, enfermeira especialista em saúde infantil e pediatria, chegou à USF em 2018 e também ajudou a desenvolver várias ações.
Até hoje, a equipa de enfermagem da USF desenvolveu três projetos, que abordam questões desde o nascimento até à velhice: “Parentalidade Positiva”, para apoiar os pais, “Maternidade Ativa”, e o projeto “Consigo”.
As sessões têm como missão promover a saúde, mas também “promover, dentro do próprio grupo, alguma possibilidade de sair do isolamento”, explicou Tânia Menezes.
É que além de uma população idosa, que está “muitas vezes isolada e sozinha em casa”, o bairro é também um território de populações multiculturais, “mães e famílias com crianças que não têm uma rede de suporte em Portugal”, sublinhou a enfermeira.
O jovem médico de família Cristiano Figueiredo considera-se um “privilegiado”, assim como todos os elementos da USF: “Nós temos aqui um grande privilégio porque, muitas vezes, somos dos poucos portugueses ou profissionais a quem eles recorrem”, contou à Lusa, explicando que nessas consultas fica-se a conhecer a história e as dificuldades que atravessam.
São “coisas que vão muito além da saúde e estamos numa situação privilegiada para advogar por melhores serviços e serviços culturalmente mais sensíveis”, disse.
LUSA/HN
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