Nas vésperas de se assinalar o Dia Mundial da Voz, a 16 de abril, o médico e professor catedrático jubilado de otorrinolaringologia contou, em entrevista à agência Lusa, a luta para criar esta efeméride que se comemora há 20 anos.
“A história do Dia Mundial da Voz é muito grande, passa por várias fases, mas foi uma ideia que me surgiu” – recordou – quando a Sociedade Brasileira de Otorrino fez “uma coisa fantástica”: Um dia e uma campanha dedicada à voz.
Desde o primeiro momento que Mário Andrea acreditou que era possível juntar “o mundo inteiro” neste projeto, mas “o grande problema” era se os países à volta do Brasil resolvessem copiar a iniciativa e cada um fizesse o seu dia nacional.
“Fica tudo espalhado e vai-se perder a voz”, pensou naquela ocasião.
Foi desenvolvendo esta ideia de criar um dia mundial para “celebrar a voz” e as pessoas terem consciência da sua importância e quando presidiu à Sociedade Europeia de Laringologia anunciou este propósito na primeira reunião da direção em 2002.
“Avisei os amigos brasileiros de que ia fazer uma coisa destas. Ficaram muito admirados com a ideia, porque nunca ninguém tinha pensado a noção de juntar o mundo. Era uma ideia atrevida naquela altura”, contou o médico que foi diretor do Serviço de Otorrino do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, entre 1983 e 2013, ano em que se reformou.
O primeiro passo foi pedir apoio à sociedade americana de laringologia que considerou “uma ideia fantástica” e apoiou a iniciativa.
Na época havia dias mundiais “mas eram muito poucos” e colocava-se a questão de como é que se ia montar tudo isto, o que levou a “um trabalho louco” que envolvia deslocações, telefonemas e comunicações por fax.
Além disso, como a voz é multidisciplinar “há uma multidão de gente” envolvida.
“Os otorrinos não são donos da voz. Trabalhamos, diagnosticamos e tratamos da voz, mas há terapeutas da fala, os professores de canto, os foniatras, uma especialidade médica que não existe em Portugal, cientistas…”, referiu.
“Eu sei o caminho que perseguia, que era o de otorrino, então entrei em contacto com a Federação das Sociedades de Otorrino na Europa, que deu todo apoio (…) e depois passei para a sociedade mundial” que também aprovou a ideia.
Faltava criar a data, que acabou por ser 16 de abril como homenagem ao Brasil, que celebrou pela primeira vez a voz nessa data nos finais dos anos 90.
O “primeiro chavão” utilizado foi “Quem tiver uma rouquidão mais de 15 dias tem que ser visto por um otorrino”, ao que se seguiram muitos outros como “Oiça a sua voz”, “Cuide da sua voz” ou “Goste da sua voz”.
O objetivo é prevenir e diagnosticar atempadamente doenças como o cancro da laringe que, segundo o especialista, “era uma doença diabólica, tremenda”, porque os doentes desvalorizavam os sintomas, como a rouquidão, e quando apareciam nas consultas os tumores já estavam em fases tão avançadas que obrigavam a tratamentos agressivos e cirurgias que muitas vezes os deixavam sem voz.
Para difundir a mensagem, foram realizados espetáculos, o primeiro no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, com cantores e atores que, disse, “ajudaram imenso porque perceberam a importância de criar um dia do seu instrumento de trabalho”, além de passarem a ter consciência da importância de cuidar do seu aparelho vocal.
Foram feitas visitas a escolas para levar a mensagem à comunidade escolar e para as crianças alertarem os seus familiares, tendo mesmo salvado alguns, e cresceram as iniciativas de rastreio feitas por instituições e hospitais.
Mário Andrea não tem dados sobre o que resultou destas iniciativas, mas disse que, tendo por base relatos de especialistas de vários países, os diagnósticos são cada vez mais precoces e as terapêuticas cada vez menos invasivas.
“Hoje em dia fazemos cirurgias endoscópicas, com 24 horas de internamento, a voz não fica fantástica, mas fica boa para viver e para trabalhar”, o mesmo se passando com o tratamento de problemas benignos. “Tudo o que fazemos [agora] é mais delicado, mais pequenino, com melhores resultados, com menos agressão, melhor qualidade vocal”.
Para estes resultados também contribuíram a luta antitabágica e os alunos de Medicina terem passado a ter formação em otorrinolaringologia.
“Há uma nova geração de médicos que estão atentos à voz (…) e isto é uma forma de chegarmos ao grande público”, salientou.
Como conselhos para evitar problemas na voz, Mário Andrea indica beber água, descansar a voz, dormir bem, corrigir a postura, ter cuidado com a alimentação e “não pigarrear” porque ao fazer isto “as cordas vocais batem uma na outra (…) e não é nada saudável”.
LUSA/HN
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