Admitindo a necessidade de criar mais serviços de apoio, fixos e móveis, para pessoas que consomem drogas, o médico João Goulão considera, porém, que a prioridade deve ser assegurar “que as equipas de tratamento tenham capacidade de resposta sem constrangimentos, sem listas de espera”.
Esta não é a realidade, observa, em entrevista à Lusa, notando que “há muita dificuldade em atrair” novos profissionais para uma área “reconhecidamente difícil”.
São necessários, por isso, “mecanismos para captação desses recursos”, até porque muitos dos atuais técnicos estão a aproximar-se da reforma.
No terreno, a diretora da organização não-governamental Ares do Pinhal, Elsa Belo, reivindica “um plano de intervenção de emergência”. Esse plano, sustenta, deve incluir respostas “desburocratizadas”, que permitam encaminhar as pessoas, “de forma direta”, para alojamento e tratamento.
“Neste momento, não temos respostas […] à altura, tão eficazes quanto necessárias, para retirar as pessoas daqui”, realça a diretora técnica do único Serviço de Apoio Integrado dirigido às pessoas que consomem drogas, instalado na Quinta do Loureiro (antigo Casal Ventoso), em Lisboa.
“Quando uma pessoa pede […] ajuda, estamos completamente condicionados em relação à ajuda que podemos dar […]. Não conseguimos pôr essa pessoa em tratamento nem naquele dia, nem naquela semana, nem naquele mês, porque há um estrangulamento das respostas”, explica.
Reivindicando “respostas rápidas, de acesso fácil”, Elsa Belo descreve o atual sistema como “burocrático”.
Já Bruna Alves, coordenadora da única unidade móvel de consumo vigiado, que circula em cinco freguesias da zona oriental de Lisboa, assinala que as equipas de intervenção “estão nos limites”.
Segundo a assistente social na organização não-governamental Médicos do Mundo, com sede na Quinta do Loureiro, as equipas debatem-se com “muitas dificuldades”, porque são pequenas e estão muito sobrecarregadas com o “elevado número de pessoas a utilizar drogas na cidade”.
Considerando que tem havido “falta de financiamento e investimento nesta área”, Bruna Alves exige “mais respostas” para as pessoas que consomem – em concreto, pelo menos mais uma sala fixa e mais uma unidade móvel.
O presidente do ICAD concorda que é importante agilizar os processos de tratamento. “Mas só conseguimos fazer isso quando tivermos as equipas do lado de cá”, ressalva.
“Estamos num momento de limitação de capacidade de reagir”, assume o presidente do ICAD, lembrando que o processo de criação do novo organismo, em resultado da extinção do anterior, “tem sido difícil”.
Este processo foi acompanhado pela reestruturação das Administrações Regionais de Saúde (ARS), cujas competências ao nível das dependências vão transitar para o ICAD no final de março.
Elsa Belo reivindica também o aumento das unidades de consumo assistido na capital, espaços que funcionam como “uma porta de entrada nos serviços”.
João Goulão concorda: “A abertura de novos espaços de consumo vigiado tem-se revelado extremamente útil como ponto de captação.”
Porém, assinala que “não serve de muito ir abrindo espaços de consumo vigiado onde as pessoas se acumulam, mas, quando pretendem outro tipo de resposta, não encontram”.
O médico defende a criação de uma ‘task force’ (grupo de trabalho) envolvendo os parceiros relevantes na matéria, para produzir um “diagnóstico mais apurado da situação”, nomeadamente sobre a “localização recomendável” desses novos espaços.
No caso de Lisboa, “tudo parece apontar para a zona oriental da cidade”.
Questionado pela Lusa sobre este assunto, o Ministério da Saúde respondeu, por escrito, que “estão em estudo as respostas concretas, em termos de espaço, para corresponder às necessidades identificadas.”
O presidente do ICAD recorda que as respostas atuais “foram criadas num determinado pressuposto” e concebidas para responder sobretudo a consumos injetáveis.
“Temos vindo a constatar uma predominância do consumo fumado, o que exige um reforço da área disponível e da capacidade disponível para acolher esses consumos”, refere.
Mesmo os tratamentos, como a metadona, não são eficazes para “outras substâncias que vão ganhando preponderância, nomeadamente o ‘crack’”, o que exige “alguma afinação de estratégias”, realça.
João Goulão reconhece “grandes dificuldades” em pôr o ICAD “verdadeiramente” em funcionamento, identificando constrangimentos financeiros e orçamentais que impedem, por exemplo, a abertura de concursos.
“Estamos a fazer os possíveis para que […] no dia 01 de abril as coisas estejam em condições de ser lançadas”, diz, garantindo que a nova estrutura terá “uma capacidade de resposta acrescida”.
LUSA/HN
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