Há muito a fazer para direitos sociais não serem só uma bandeira constitucional – Helena Roseta

16 de Março 2025

A deputada constituinte Helena Roseta considerou hoje que há ainda muito trabalho a fazer para que os direitos constitucionais à habitação e à saúde sejam uma realidade e não apenas uma bandeira constitucional ou uma meta moral.

Portugal tem hoje “novas formas de pobreza, uma imigração intensíssima”, com “dramas de habitação e de sobrevivência enormes”, a par de camadas da população portuguesa sem acesso a uma casa e a cuidados de saúde, apontou a arquiteta, durante uma conversa com a Lusa.

Nesta conversa a Lusa reuniu também o constituinte Pedro Roseta e duas das três filhas, Filipa (vereadora) e Catarina (investigadora), a propósito dos 50 anos dos trabalhos da Assembleia Constituinte, eleita a 25 de abril de 1975.

Para a arquiteta, que se envolveu ativamente na construção do direito à habitação (artigo 65º), Portugal enfrenta ainda o desafio de tornar efetivos os direitos sociais consagrados na Constituição que a Assembleia Constituinte aprovou em 1976: “Não estão completamente cumpridos”.

“Hoje temos novas formas de pobreza, temos uma imigração que é uma realidade nova”, acrescentou a arquiteta que, com menos de 30 anos e três filhas, chegou à Assembleia Constituinte, com formação em arquitetura e disposta a prosseguir um objetivo que acalentava desde os 19 anos: habitação condigna para todos, num país que convivia com barracas no centro da capital.

“Era muito miúda (…), o Pedro [Roseta] tinha outra preparação que eu não tinha. Legislação para mim era chinês. Concentrei-me só numa coisa que conhecia bem, que era a habitação”, contou, ao recordar os tempos da Constituinte.

Helena Roseta participou também na redação do artigo 66º, relativo ao ambiente e qualidade de vida. “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, estabelece o primeiro ponto do articulado.

“A política hoje para mim é voltar ao princípio. É fazer as coisas básicas”, declarou Helena Roseta, que foi uma das poucas mulheres a integrar a Assembleia Constituinte.

Contando com as substituições, a presença feminina na Constituinte limitou-se a um grupo de 27 deputadas (9% do total), tendencialmente com idades entre os 30 e os 39 anos, de acordo com os registos inscritos no livro “Os Constituintes”, editado pelo parlamento.

“Continuo a trabalhar com os bairros, acabei de fazer o programa Bairros Saudáveis, para os bairros vulneráveis no país todo”, indicou a arquiteta.

“Continua a ser a minha política, continuar a ser útil, com o conhecimento que adquiri ao longo destes anos todos, a quem precisa. Porque há muita gente que não precisa nada e, portanto, denunciar aqueles que abusam, que eu isso também gosto!”, admitiu.

Helena Roseta, que no ano passado editou o livro “Habitação e Liberdade”, em que recupera o debate realizado na Assembleia Constituinte em torno desta matéria, constatou que os argumentos usados naquela época são “exatamente os mesmos que estão a voltar agora”.

Pedro Roseta, que se concentrou nas questões da educação, liberdade religiosa e direitos e liberdades e garantias, bem como na organização do sistema político, concordou com a leitura. “Continua a haver pessoas pobres”, lamentou, defendendo que se noutras áreas se verificaram grandes avanços – como nos direitos da mulher e na diminuição da mortalidade infantil -, continua a ser necessário acabar com a precariedade na habitação.

A cooperação entre forças partidárias é para o jurista a base de uma sociedade desenvolvida. “Na democracia não há uma guerra, não vence só quem ganha, vencem todos (…). O papel da oposição é preparar o próximo governo”, vaticinou o jurista, ao sublinhar a alternância própria de um sistema democrático e a necessidade de reunir consensos em questões fundamentais.

Desafiado a comentar um ponto da Constituição, enumerou o direito à diferença:”Para mim, era muito importante. Partir do princípio que há milhares de milhões de seres humanos, não há dois iguais. Isso é extraordinariamente enriquecedor”.

Para construírem a Constituição de 1976, os deputados constituintes inspiraram-se nas democracias europeias e na história constitucional portuguesa, testemunharam Pedro e Helena Roseta.

“Já na altura, tínhamos uma série de deputados eleitos que eram figuras muito importantes, alguns da resistência à ditadura”, afirmou Pedro Roseta, admitindo que o modelo de sociedade suscitou “uma clivagem muito clara” com o PCP, um partido respeitado pelo seu passado, mas com o qual o grupo parlamentar do PPD, onde o jurista se incluía, tinha “grandes lutas”.

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