Entrevista a António Diniz: “Não concordo que as escolas permaneçam abertas”

01/19/2021
Para o pneumologista “é um erro por imprudência” que pode sair caro ao país.

Alerta que a nova variante do Reino Unido pode ser mais transmissora nos grupos etários mais novos, defendendo a suspensão das aulas para os alunos com mais de 12 anos. Avisa que para “esmagar a curva” é necessário “reunir o máximo dos esforços”. António Diniz fala em contradições e questiona “se as escolas são seguras para que é vão ser vacinados funcionários e corpo docente?”.

Healthnews (HN)- O novo confinamento geral vai ser eficaz para a melhoria da situação epidemiológica?

António Diniz (AD)- Tenho grande dificuldade em considerar que isto é um confinamento geral a partir da altura em que é permitida a abertura das escolas.

HN- As crianças são ou não vetores de infeção?

AD- Essa é uma questão interessante. Até agora acreditava-se que as crianças não transmitiam a doença com a mesma eficácia que os adultos. Isto de não serem tão eficazes não quer dizer que não transmitam, atenção. As crianças têm maior probabilidade de serem portadoras assintomáticas e isso ainda lhes confere alguma perigosidade.

Vamos admitir que as crianças não têm a mesma capacidade de transmissão que os adultos – isso poderá ser um dos argumentos utilizados para o não encerramento das escolas. Qual é o problema? Com o aparecimento da nova variante, proveniente de Inglaterra, levanta-se a hipótese, pelo menos por parte de um estudo desenvolvido pelo Imperial College of London, que esta nova estirpe seja mais transmissora nos grupos etários mais novos, abaixo dos 20 anos. Isto pelo contrário sustentaria uma maior preocupação e uma maior prudência em relação às escolas.

HN- Manter as escolas abertas significa que estamos a colocar em causa a eficácia do confinamento?

AD- Na minha perspetiva é uma medida imprudente. É um erro por impudência. Nesta altura tudo aquilo que não precisamos é de imprudência. O próprio professor Baltazar Nunes do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) disse que se não confinarmos escola nenhuma conseguimos baixar o R [número médico de contágios causados por casa pessoa infetada] para abaixo de 1, mas se as aulas presenciais forem suspensas nos grupos etários com mais de 12 anos, o R desce muito mais. Ora, a questão que se coloca aqui é: o que é que precisamos? Se precisamos que o R desça um bocadinho e devagarinho ou se precisamos que o R desça bastante e mais rapidamente…. Atendendo à situação que se vive nos hospitais e na estrutura de saúde eu diria que precisamos urgentemente de fazer baixar o R rapidamente e muito, caso contrário os hospitais não vão aguentar. O facto de baixarmos de 10 mil casos por dia para sete mil, por exemplo, e fazer isso ao longo de 15 dias ou três semanas não é suficiente para impedir o colapso da estrutura.

HN- As escolas são seguras?

AD- As escolas não são só o período de tempo em que os alunos estão nas aulas. As escolas implicam a deslocação dos alunos de casa até à escola. Às vezes a deslocação implica a deslocação dos pais, dos avós, dos funcionários, dos professores… não sei dizer quantas dezenas de milhares de pessoas estão envolvidas neste processo. Não é só a escola, é tudo aquilo que envolve o funcionamento da escola. Por exemplo, para se ter a escola a funcionar vai ter que haver refeitórios e cantinas a funcionar.

HN- Portanto concorda ou não com a afirmação do primeiro-ministro de que “as escolas são espaços seguros”?

AD- Não concordo que as escolas permaneçam abertas pelo menos a partir de uma determinada idade, com isso não concordo. Até aparentemente há uma contradição no discurso que é: dizer-se que as escolas são seguras, mas pretender-se que os professores sejam rapidamente vacinados. Se as escolas são seguras para que é vão ser vacinados funcionários e corpo docente? É um bocado estranho… Faço parte do grupo de pessoas que defendem que as escolas, pelo menos após os 12 ou 15 anos, encerrem. Para mim desde que os adolescentes tenham a capacidade autónoma para assegurar que podem ficar em casa em ensino à distância deveria ser implementado. Haveria uma folga muito maior para dispor o funcionamento das escolas para aqueles alunos que na verdade não podem prescindir do ensino presencial, como grupos etários mais jovens.

HN- Mas muitas pessoas alertam para a criação de desigualdades…

AD- Seria interessante perceber se, ao fim de dez meses de pandemia, os estudantes receberam, por parte do Estado, esses meios que seriam necessários para o ensino à distância. Nada impede que em situações particulares, em que o estudante esteja em situação de vulnerabilidade, possa ir à escola. Isto é uma ideia original? Não é. Os ingleses estão a aplicar esta medida. Consideram que para as populações escolares vulneráveis haja uma exceção. O resto não vai à escola.

HN- A decisão do Governo não poderá ter sido uma decisão política do que propriamente sanitária?

AD- Isso não tenho qualquer dúvida. O senhor primeiro-ministro disse que tinha sido uma decisão política e nesse aspeto eu digo-lhe assim: eu não concordo com a decisão política. Não concordo. Acho que é um erro e acho que nos arriscamos a pagar caro por esse erro ao não conseguirmos fazer descer a taxa de transmissão na comunidade tanto quanto necessário para evitar o agravamento das condições no sistema de saúde ou mesmo o seu colapso –se é que não é estamos a falar mesmo já de colapso do sistema de saúde. Portanto, nem o conseguimos baixar tanto, nem o conseguimos baixar tão rapidamente uanto necessário. Quanto mais rapidamente a baixarmos mais rapidamente podemos começar a reabrir. E esse vai ser outro tema a discutir: como é que vamos reabrir.

HN- Vai ser necessário criar uma estratégia diferente de desconfinamento?

AD- Exatamente, porque o erro que foi cometido na primeira vaga foi que desconfinámos cedo demais em relação aos indicadores de saúde que estavam presentes. Portanto, se desconfinarmos agora da mesma forma, vamos passar a vida em confina, desconfina, confina, desconfina. Aquilo que é preciso nesta altura é: esmagar a curva. Para isto, precisamos de reunir o máximo dos esforços para o fazer. Tudo aquilo que possa contribuir para diminuir a transmissão deve ser efetuado. As pessoas, e os setores de atividade em que elas estão, já estão a fazer um sacrifício grande para não verem o resultado desse benefício rapidamente e de forma sustentada no tempo. Ao deixarmos de fora esta parcela aquilo que nos arriscamos a fazer é tornar o esforço dessas pessoas insuficiente. Isso não é aceitável. Por isso é que estou a dizer que é uma decisão política, mas discordo como cidadão e como técnico.

HN- Com as novas medidas anunciadas estamos longe de ver o fim da pandemia?

AD-  Iremos atravessar este ano ainda com a pandemia presente na nossa vida, não tenho grandes dúvidas acerca disso. Mesmo com o processo de vacinação a decorrer.

Entrevista por Vaishaly Camões

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