Em entrevista à Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros diz que “é um erro encarar” a pandemia de covid-19 “como um campeonato” e “um erro pensar que isto já passou”.
Refutando as restrições impostas por vários países da UE a voos provenientes de Portugal – como quarentena, confinamento ou realização de testes -, o ministro insiste que elas se baseiam em dados que não refletem a complexidade da situação epidemiológica.
Questionado sobre se é legítimo pensar que essa “lógica de campeonato” é uma concorrência para ver quem atrai mais turistas, o ministro respondeu: “É legítimo pensar-se isso”.
“Eu, que costumo sempre dizer que a ingenuidade não me parece ser um bom princípio em política externa […], compreendo perfeitamente esse raciocínio”, diz.
“Os turistas podem parecer hoje um bem escasso, mas, como é típico aliás da ingenuidade, é um raciocínio errado”, acrescenta, explicando que “uma pessoa minimamente informada” vai optar pelo que lhe parecer “mais credível”.
“O que é que é mais credível? Um país que já teve mais de 500 casos por dia e de um momento para o outro parece que deixou de ter, ou um país como a Alemanha, que teve sempre muitos casos, sempre conseguiu responder bem do ponto de vista do seu sistema de saúde, como aliás Portugal também, e que, volta meia volta, encontra novos surtos?”, questiona.
Santos Silva insiste que o critério usado, por exemplo, pela Dinamarca – um número de infeções inferior a 20 por cada 100.000 habitantes -, é apenas um de vários indicadores e Portugal “contesta que se utilize só um indicador” e que, “a utilizar um indicador, seja este”.
“Porque a situação epidemiológica é complexa, portanto, não conta apenas o número de novos casos registados, conta também a taxa de incidência, isto é, a comparação entre os testes realizados e os casos positivos verificados”, que em Portugal é “bastante baixa”, apesar de o país ser, segundo dados de quinta-feira, “o sexto país da UE que mais testes realiza por milhão de habitantes”.
“E conta sobretudo a capacidade de um país de tratar. Portugal tem indicadores de letalidade, isto é, mortos por infetados, dos mais baixos da UE, [e] tem taxas de hospitalização e de internamento em unidades de cuidados intensivos bastante baixas, [o] que mostra que o nosso sistema hospitalar, o nosso Serviço Nacional de Saúde, nunca esteve com resposta insuficiente. Pelo contrário, nós nunca ultrapassámos os dois terços da nossa capacidade de resposta, mesmo no pico da pandemia”, afirma.
Ainda sobre a questão da credibilidade dos países em matéria de combate à pandemia, o ministro assegura que o tal turista “minimamente informado” vai também ter em atenção os comportamentos, salientando que em Portugal “as normas são cumpridas e as regras de segurança são respeitadas”, o que não deve ser posto em causa por “alguém ter ganho um campeonato, ou por se realizar uma manifestação ou por se realizar uma festa”.
Augusto Santos Silva frisa que o combate à pandemia “não é um campeonato” nem “uma luta entre países” e que “é um erro pensar que isto já passou”, até porque com o desconfinamento é sabido “que o risco de contágio sobe”.
“E por isso é que é tão importante termos medidas muito férreas para diminuir esse risco”, diz, mas frisa que “é preciso perceber que o essencial para combater a pandemia não é impedir a mobilidade das pessoas ou obrigar a economia continuar fechada”, mas que “todos tenham consciência” das regras.
O ministro assegura compreender que a reabertura de fronteiras na Europa “não é incondicional” e “que cada Estado-membro possa tomar as medidas que entender para garantir a máxima segurança em matéria sanitária dos seus cidadãos, residentes e visitantes”
“Não contestamos que países como a Dinamarca ou a República Checa tenham essa preocupação, o que contestamos é que utilizem apenas um indicador e um indicador inadequado”, explica.
Augusto Santos Silva recusa que as declarações que fez na sexta-feira de manhã sejam vistas como uma ameaça de “retaliação” aos países que excluíram Portugal dos países com quem reabrem as ligações aéreas, assegurando que fala de “reciprocidade”, “um princípio básico das relações internacionais”, que “é sempre bom lembrar”.
Mas, assegura, Portugal responde a estas medidas “com informação”.
“Naturalmente contestamos a legitimidade e eficiência destas medidas e apresentamos a informação, toda a informação, transparentemente”, afirma.
LUSA/HN
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