Em entrevista à agência Lusa, o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universidade de Lisboa, e investigador nas áreas da distribuição do rendimento ou da desigualdade e pobreza apontou que o fim dos apoios extraordinários criados durante a atual pandemia para famílias e empresas “é crucial”.
Farinha Rodrigues salientou que “grande parte das medidas” que ainda estão em vigor, nomeadamente as moratórias, foram pensadas para o início da pandemia, em março do ano passado, e não antecipavam a situação que se viveu em janeiro deste ano, lembrando que grande parte delas tem um horizonte temporal “que vai terminar brevemente”.
“Ou se consegue que se ajuste estes prazos para que eles acompanhem o próprio processo de recuperação da economia ou então podemos estar perante uma situação trágica do ponto de vista social”, avisou o professor e investigador.
Na opinião do professor do ISEG, importa saber como é que as políticas públicas conseguem articular a gestão de medidas de urgência, que necessariamente têm de ter um universo temporal limitado.
“Não podemos manter ‘ad eternum’ o lay-off ou as moratórias, são medidas de emergência, mas temos de saber conjugar o ‘timing’ destas medidas com o ‘timing’ da recuperação económica, sob pena de termos um agravamento muito forte da situação social”, defendeu.
O investigador entende, por isso, que é importante perceber que tipo de recuperação vai o país fazer, sublinhando que é preciso ter em conta uma ideia fundamental: “Por muito bem que as coisas corram, nós não vamos voltar a 2019”.
“Aquela realidade que existia e que até estava melhor numa série de fatores não vai voltar”, avisou.
Por outro lado, defendeu, são precisas políticas que permitam uma adaptação à nova realidade, a realidade pós pandemia.
“Acima de tudo, acho que a recuperação económica só faz sentido se for uma recuperação inclusiva, que não deixe ninguém de fora”, apontou, sublinhando que isso implica considerar todos os setores, como a economia informal, as crianças, os casais com muitos filhos ou os trabalhadores pobres.
Farinha Rodrigues lembrou que, apesar de a crise parecer democrática porque a covid-19 tanto atinge pessoas ricas como pobres, ela não é nada democrática nos seus efeitos, sublinhando que há “claramente setores que estão a sofrer muito mais com a crise” e que vão demorar muito mais tempo a recuperar.
De acordo com o especialista em políticas sociais, mesmo que possa haver alguma recuperação “ligeiramente sustentada” a partir do segundo semestre, vai haver uma “recuperação a diferentes velocidades”.
“Compete ao Estado e às políticas públicas ter isso em conta”, sublinhou, considerando, no entanto, que passado o período de pandemia a situação do país não tem de ser necessariamente pior do que o que estava em 2019, admitindo que possa ser pior no início dessa fase, mas com margem para recuperação.
“A minha esperança é que consigamos recuperar e inclusivamente ter valores acima de 2019”, admitiu.
Farinha Rodrigues disse que vão existir dinâmica novas, como por exemplo no teletrabalho, algo que acreditava que iria entrar nos modos normais de trabalho de forma progressiva, mas que a crise veio acelerar, tal como com outros processos de mutação do mercado de trabalho.
Razão pela qual acredita também que os mecanismos de proteção social e as formas de relacionamento no trabalho tenham de ser progressivamente adaptados, lembrando que a legislação tem de acompanhar essa evolução de modo a garantir deveres e direitos para todas as pessoas.
Farinha Rodrigues defendeu que as políticas públicas tenham como “prioridade extremamente elevada” o combate à pobreza, sublinhando que a pobreza que agora surgiu terá mais ou menos facilidade em recuperar dependendo da intensidade e da velocidade a que será feita essa recuperação.
“Contrariamente a outras crises, todo este sistema de apoios e de medidas de emergência que foram implementados de alguma forma vão permitir que, pelo menos em grande parte, a capacidade produtiva não tenha sido destruída e isso pode permitir uma recuperação mais rápida”, admitiu.
Sublinhou que irá depender da duração da pandemia, de quando se iniciará a recuperação económica e qual a sua intensidade, “vários fatores de incerteza”.
De qualquer das formas, o investigador não tem dúvidas de que esta crise “algum lastro vai deixar”.
“Não tenhamos ilusões, as consequências sociais desta pandemia vão prolongar-se bem para além da pandemia, disso não tenho dúvidas nenhumas”, rematou.
LUSA/HN
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