A Pesquisa sobre o Impacto da Covid-19 nas Pessoas Vivendo com VIH/SIDA em Angola, a que a agência Lusa teve hoje acesso, foi elaborada pela organização não-governamental angolana “Ação Humana”, com patrocínio da fundação Open Society, entre março de 2020 e abril deste ano.
“Convém destacar que o “estigma e a descriminação” continuam a funcionar como uma barreira invisível ao tratamento, pois afastam as pessoas dos centros de tratamento mais próximos com receios de serem reconhecidos e descriminados, nalguns casos contribuindo para as faltas e desistências, bem como, para os esquemas de não presença e que, de certa forma também pode afetar o processo de descentralização do tratamento, de acordo com as áreas de residência ou com centros de proximidade”, refere o estudo.
De acordo com o documento, em tempo de covid-19 o impedimento da circulação intra e inter-províncias elevou “a barreira invisível do estigma e discriminação”.
O estudo aferiu, a partir de diálogos com as PVVHS, especialistas e ativistas, “que existe um enorme receio das pessoas se tratarem junto das suas áreas de residência devido ao estigma e discriminação”.
“Alguns recorrem ao tratamento e ao acesso aos medicamentos em municípios ou províncias distintas da sua área de residência. Contudo, o inquérito revelou que 3% da amostra se tratam fora da sua área de residência, com realce para o facto de muitos pacientes se deslocarem de outras províncias para, em Luanda, fazerem o tratamento, enquanto a Huíla tem uma relação inversa, na qual muitos pacientes se deslocam para o Namibe para o tratamento”, refere a pesquisa.
Esta situação, salienta o documento, afeta a eficácia e eficiência da estratégia de descentralização empreendida pela autoridade, tanto de acesso às consultas e aos medicamentos.
No que se refere aos aspetos socioeconómicos, a pesquisa concluiu que as consequências económicas e sociais da covid-19 impactaram muito na qualidade de vida das PVVHS, sendo que a maioria da população inquirida se encontra no desemprego (34%) e outros trabalham essencialmente no mercado informal.
“Podemos notar que muitas PVVHS sobrevivem de caridade e da solidariedade de familiares e 46,9% vivem do salário. Cerca de 27% da venda em mercados informais, 23,2% dependem de apoio de familiares e 3% sobrevivem de caridade. Os resultados obtidos permitem-nos concluir que existe uma forte vulnerabilidade económica e financeira das PVVHS e diferenciada entre as províncias estudadas”, salienta o estudo.
O impacto da inflação dos alimentos, os parcos recursos obtidos por via da venda nos mercados e a dependência de terceiros contribuíram negativamente para a sustentabilidade do tratamento, já que o tratamento com ARVs [antirretrovirais] demanda por uma alimentação equilibrada e saudável, para garantir uma maior eficácia do tratamento, realça a pesquisa.
Outra característica revelada pelo estudo é que 34,5% das pessoas inquiridas (8,8% homens e 27,7% mulheres) convivem com a doença há mais de dez anos, que as mulheres lidam melhor com a doença e apresentam uma taxa de prevalência maior.
O estudo concluiu que 5% de PVVHS testaram positivo à covid-19, sendo o grupo mais afetado pessoas com mais de 40 anos, com cerca de 70 % dos casos, liderando a lista de infetados a província de Luanda, capital de Angola.
No quesito sobre o acesso aos serviços e cuidados de saúde perante as restrições da covid-19, concluiu-se que as incertezas induzidas pela pandemia, a insuficiência de informação da relação VIH/covid-19 acabaram afetando diretamente a relação hospital-paciente, indiretamente a gestão de stock de medicamentos e consequentemente a relação entre o paciente e o tratamento.
“Contudo, a relação entre hospital e paciente teve três momentos, um primeiro momento marcado pela incerteza, num segundo, pelo reencontro tímido, e, num terceiro, momento de normalização”, frisa a pesquisa.
As incertezas da covid-19 instalaram-se nos primeiros 45 dias, período que vigorou o Estado de Emergência, com a suspeição na relação hospital e pacientes e impacto sobre o acesso às consultas e aos antirretrovirais.
“Ou seja, repercutiu-se sobre o tratamento. Se, por um lado, houve a preocupação de proteger-se os funcionários do hospital e do qual criou-se vários protocolos que restringiram o contacto com os pacientes, por outro lado, os pacientes receavam deslocar-se dada a sua condição e ou ausência de informação sobre a relação VIH/COVID-19”, destaca o estudo.
Muitos pacientes, na tentativa de resgatarem a sua rotina, solicitaram atendimento médico-medicamentoso, porém, a disponibilidade dos serviços retornou ao ritmo do alívio das restrições, havendo “maior procura dos serviços do que a oferta”.
“A grande demanda recebeu contribuição de pacientes que faziam o seu atendimento no exterior (restrições de viagens), clínicas privadas (pandemia/desemprego/perda de capacidade de se manterem em clínicas/perda do seguro de saúde)”, adianta o documento.
“Se com a rotina de atendimento médico-medicamentoso temos números altos de falta as consultas, má adesão e toda a consequência subjacente, em tempo de pandemia, com as restrições de acesso aos serviços, aliado à baixa oferta de medicamentos, esses eventos tiveram seu incremento. Quase inexistente assistência médica e cuidados, baixo acesso a medicação, relatos de descompensações com internamento e mortes”, destaca ainda a pesquisa.
Na generalidade, o estudo concluiu que “no contexto da covid-19 as PVVHS tiveram enormes dificuldades para levar adiante a sua rotina de tratamento e consequentemente de acesso aos recursos económicos e financeiros para a sustentabilidade do tratamento”.
LUSA/HN
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