Covid-19 agravou situação de leprosos que reviveram início da doença

28 de Janeiro 2022

Muitos doentes com lepra reviveram com a Covid-19 o que passaram quando foram diagnosticados, do isolamento à discriminação, passando pela ansiedade por uma vacina ou cura, segundo a Relatora Especial da ONU.

Alice Cruz, Relatora Especial das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Pessoas afetadas pela Lepra e seus Familiares, chama a atenção para “os inúmeros paralelos que existem entre a lepra e a covid-19”.

“Eu argumentei várias vezes que a experiência, a história da lepra, e a experiência das pessoas afetadas pela lepra, deveriam auxiliar a compreender os perigos e as dificuldades que a pandemia trouxe”, disse, em entrevista à agência Lusa.

Alice Cruz, portuguesa, enumera alguns dos muitos paralelos que identificou: “Desde todos os problemas de saúde mental que vêm com o isolamento, com a ansiedade em torno da descoberta de uma cura ou de uma vacina, a separação de familiares e amigos, os perigos de o Estado utilizar a saúde pública como um argumento para restringir direitos”.

“Foi muito comovente ver, no início da pandemia, muitas pessoas afetadas pela lepra a dizer: eu já vivi tudo, eu estou a viver tudo de novo”, recordou.

E acrescentou: “Aquilo que vivemos hoje todos, como humanidade, é algo que faz parte da vida das pessoas afetadas pela lepra há séculos”.

A responsável ressalvou que a lepra, “assim como outros problemas, como as alterações climáticas, que são problemas globais, com potencial para ameaçar a vida de todas e todos, obviamente que vai haver – como houve com a pandemia, como já há com as alterações climáticas – um impacto muito maior nas populações em situação de vulnerabilidade”.

“Embora sejam problemas com uma escala universal, não vão afetar todos da mesma maneira. As pessoas afetadas pela lepra, sendo um dos grupos que se encontra numa situação de maior vulnerabilidade, pobreza, extrema pobreza, obviamente viveram um impacto muito maior”.

A Covid-19 trouxe ainda mais problemas a quem vive com esta doença, relacionados com a falta de acesso a bens básicos e fundamentais, como comida, água limpa, energia para cozinhar.

“As pessoas afetadas pela lepra, na sua grande maioria, não são todas obviamente, foram historicamente excluídas do mercado de trabalho formal. São pessoas que vivem e ganham a vida dia a dia, são dependentes de uma remuneração diária, em função de atividades que são informais. É claro que a pandemia impossibilitou tudo isso”, referiu a relatora.

“As pessoas viram-se sem capacidade para obter rendimentos e sem qualquer tipo de rede, de segurança, sem acesso a apoios da Segurança Social e muitas vezes sem acesso ao apoio que sempre tem estado mais presente nas suas vidas, que é o de organizações não governamentais, sobretudo de tipo caritativo. Houve muita fome e ainda há, associada a dificuldades de acesso a serviços de saúde”, acrescentou.

Segundo Alice Cruz, “muitas pessoas não puderam continuar os seus tratamentos, não puderam ser diagnosticadas por dificuldades várias, como não ter dinheiro para o transporte público, ou não haver transportes públicos”.

E depararam-se ainda com “práticas discriminatórias, perpetradas pelos próprios profissionais de saúde, de não quererem admitir pessoas afetadas por lepra nos estabelecimentos de saúde”.

Em contexto de pandemia, muitos destes doentes não entraram nos serviços de saúde, porque para tal tinham de fazer um teste, para o qual não tinham dinheiro e mesmo se o tivessem, não poderiam porque em alguns casos nem sequer têm cartões de identidade, o que acontece em alguns países, representando uma “discriminação histórica e violação dos seus direitos civis e políticos”.

De acordo com Alice Cruz, as dificuldades na produção, transporte e distribuição da medicação contra a lepra veio agravar este cenário, aumentando ainda mais o risco de contágio, resultando em “mais transmissão, mais deficiência, mais casos em crianças”.

O Dia Mundial de Combate à Hanseníase (lepra) assinala-se este ano em 30 de janeiro. O dia foi instituído em 1954 pelas Nações Unidas, que estipularam que se assinala todos os anos no último domingo de janeiro.

LUSA/HN

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