Primeiro-ministro timorense diz que foi “humilhado” por Xanana Gusmão

3 de Abril 2022

O primeiro-ministro timorense disse hoje que foi “muito humilhado” por Xanana Gusmão e o seu partido, o CNRT, motivo pelo qual não fala com o homem ao lado de quem lutou 17 anos, contra a ocupação indonésia.

Em declarações à Lusa, na primeira entrevista desde que tomou posse em 2018, Taur Matan Ruak explica, sem elaborar, que considera que Xanana Gusmão é hoje “uma pessoa diferente” do que era “no mato”.

“Sim, não falamos [há muito tempo]. Sabe, eu fui durante 17 anos vice dele. Não é pouco. E houve grande cumplicidade, no pensamento e nos atos”, disse, recordando o período em que Xanana Gusmão liderava a resistência armada à Indonésia.

“Mas esta última vez fui muito humilhado no parlamento e isso não posso aceitar. Por isso, agora, é cada um por si, e Deus por todos”, afirmou.

Questionado sobre se é possível recuperar a relação, Taur Matan Ruak diz que é “muito educado e civilizado”, e gosta de Xanana Gusmão, de quem foi “cúmplice durante anos, em todas as crises no mato”.

“Não tenho inimigos. Agora, também não caio de joelhos perante ninguém”, afirmou, explicando que quando Xanana Gusmão foi capturado, em 1992, poderia ter assumido o comando da luta.

“Na nossa história alguém quando é capturado não tem direito a comandar as forças. Mas eu ainda passei isso para ele, mesmo em Cipinang. Eu poderia ter ficado comandante. Não fiz isso. Disse ‘você continua a ser o meu comandante’. Agora a situação é outra. Mas a vida é assim. Tudo se muda, tudo se transforma”, referiu.

A “humilhação” a que se refere ocorreu em final de 2019, início de 2020, na véspera da pandemia, quando instantes antes de um antecipado chumbo, Matan Ruak retira uma primeira proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE).

Durante esse debate e o seguinte, quando uma segunda proposta foi mesmo chumbada, Taur Matan Ruak e o seu Governo foram duramente atacados no parlamento, com as vozes mais críticas a virem das bancadas que apoiavam o executivo.

Nesse dia, a galeria parlamentar chegou a pensar que Taur Matan Ruak se demitiria.

“Eu nunca me rendo. Gosto de travar batalhas e vencê-las. Quando chumbaram o OGE disse a alguns diplomatas: o meu Governo vai prosseguir e terminar o mandato. Não me perguntem como, mas garanto que não vou sair e vou levar o Governo até ao fim”, recordou.

Dois anos antes, a realidade era outra. Xanana Gusmão liderava a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP) que integrava o seu CNRT, o PLP de Taur Matan Ruak e o KHUNTO de José Naimori. Os antigos companheiros de luta eram unha e carne, fazendo vibrar os palcos de comícios e conquistando uma maioria absoluta.

“A AMP surgiu porque a Fretilin e o CNRT não se entendiam. Eles podiam ter-se juntado e governar, e os pequenos ficavam a olhar para o castelo”, afirmou.

Depois veio a decisão do Presidente da República, Francisco Guterres Lú-Olo, recusar dar posse a quase uma dezena de membros do Governo, quase todos do CNRT, propiciando uma rápida degradação da relação entre a ‘troika’ e particularmente entre Xanana e Taur.

Um ambiente que se agravou, semana a semana, com reuniões de Lú-Olo e Matan Ruak, sem que o assunto ficasse resolvido e a fazer crescer a teoria de um possível complô.

Explicou que tentou, por tudo, aproximar Xanana Gusmão e Lú-Olo para resolver a crise – o primeiro não queria a tomada de posse e o segundo não cedia na posse dos indigitados.

“Sabia que se não conseguisse reconciliar posições e resolver o problema eu era bode expiatório”, recordou.

Depois veio uma conferência pedida pelo Presidente para Xanana Gusmão explicar os projetos para o Greater Sunrise, onde o Presidente acabou por não comparecer, o que “irritou Xanana Gusmão” ajudando a “entrincheirar ainda mais” as posições.

“Sempre que pude falei do assunto, mas acho que a forma como cada um atuou, deixou o outro muito magoado. Estavam em posições opostas, deixando prever que as coisas iam desembocar numa situação que se complicaria ainda mais, e isso aconteceu”, enfatizou.

O “impasse” – como popularmente ficou conhecido o momento que ainda hoje perdura no cenário político timorense – até terá começado antes, nas legislativas de 2017.

O voto surgiu depois de três Governos sucessivos liderados pelo CNRT – o último com um primeiro-ministro da Fretilin, e com grande harmonia nas decisões parlamentares – e quando a relação entre Xanana Gusmão e Mari Alkatiri estava mais próxima do que nunca.

De fora desta harmonia estava apenas o então Presidente, Taur Matan Ruak, que usou um discurso no parlamento para fazer duras críticas a ambos, comparando os dois líderes a Suharto, o ditador indonésio contra quem os timorenses lutaram 24 anos.

“Se me perguntassem se me arrependo, eu diria que não. Aliás, se soubesse o que sei hoje, talvez teria sido ainda pior. Porque eu acho que a gente não estava a dar um bom rumo ao país, não tínhamos planos. Parecíamos amadores. Temos muita construção, mas depois vem uma chuva e leva tudo para o mar”, declarou.

Taur Matan Ruak salta da Presidência – horas depois do fim do mandato – para um salão de casamentos em Díli e assume a liderança do novo Partido Libertação Popular (PLP), levando a cabo uma campanha com duas críticas aos dois maiores partidos.

Ao contrário de maioria das expectativas, as legislativas de 2017 são ganhas pela Fretilin, o partido do Presidente e de Mari Alkatiri que não conseguiu formar uma maioria.

Multiplicaram-se as reuniões entre os líderes das forças parlamentares e chegou mesmo a ser alinhavada uma aliança idêntica há que hoje está no Governo: Fretilin, PLP e KHUNTO, sendo que apenas sobrou um Governo minoritário.

“A Fretilin também não soube segurar os partidos mais pequenos. Em 2017 eu falei com o Alkatiri e disse-lhe logo no primeiro encontro: para mim o CNRT e a Fretilin são todos maus, só que o CNRT é o mal maior e a Fretilin o mal menor”, referiu.

“Disse-lhe com coração aberto que não queria ir para o parlamento, ou para o Governo, mas que queria que os meus membros fossem aprendendo”, sublinhou, garantindo que o bloqueio não se deveu só às negociações sobre “quantas cadeiras” caberiam a cada.

“Vinquei quatro pontos: primeiro as políticas, depois os programas, as prioridades e só em quarto as cadeiras. Queria um ‘win win solution’, mas disse que o Presidente da República era da Fretilin, o primeiro-ministro da Fretilin e que o presidente do parlamento não podia também ser da Fretilin”, afirmou.

Para Taur Matan Ruak, se “tivesse cedido” iriam dizer que “não sabia negociar”.

“Eles viraram-se para o PD e o KHUNTO, mas o KHUNTO acabou por fugir. E quando me pediram para voltar eu disse, desculpa, mas não posso. Disse ao Mari, ‘fui porque decidi ir, gosto de si, mas não gostei da forma como me abandonou, desta vez não’”, acrescentou.

Três anos depois desse falhanço, a aliança renasce e sustenta o atual Governo.

LUSA/HN

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