Comissão (CNPD) recomenda “reponderação” da base de dados prevista na Lei de Saúde Mental

28 de Janeiro 2023

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) recomendou a “reponderação” da base de dados prevista na Lei de Saúde Mental, alegando ser imprecisa a sua finalidade, a categoria dos dados a recolher e o seu prazo de conservação.

“A imprecisão revela-se, desde logo, quanto à finalidade da base de dados, que em ponto algum vem explicitada, bem como quanto às categorias de dados pessoais a recolher e ao respetivo prazo de conservação”, refere o parecer da CNPD solicitado pela comissão de Saúde da Assembleia da República e que a Lusa teve hoje acesso.

Segundo o documento, em causa está o artigo que prevê uma base de dados informática, no âmbito da comissão para o acompanhamento da execução do regime jurídico do tratamento involuntário, a “que terão acesso entidades públicas ou privadas que nisso tenham interesse legítimo”.

“Na verdade, o artigo 43º da proposta revela imprecisões no seu texto-norma, que não permitem compreender o sentido global do seu âmbito normativo, mas também revela insuficiências na definição dos elementos principais do tratamento de dados pessoais, e em especial na regulação do acesso por terceiros”, alerta o parecer.

A comissão salienta ainda que merece “maior perplexidade” a parte final do artigo em causa, quando admite o acesso à base de dados por entidades “que nisso tenham interesse legítimo”.

Neste ponto, o parecer sublinha que, numa matéria sensível como o tratamento de dados de pessoas especialmente vulneráveis, admitir que o “interesse legítimo” de uma entidade privada é suficiente para “comprimir os direitos fundamentais” à proteção dos dados e à reserva da vida privada, “revela-se uma disposição desproporcionada e em manifesta contradição” com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados.

Perante isso, a CNPD recomenda a revisão do artigo em causa, em especial para que “se repense a criação de uma base de dados de saúde mental”, ainda para mais “num tempo que se tem caracterizado por manifestas vulnerabilidades dos sistemas de informação”.

Caso o legislador persista na sua constituição, a comissão alerta para a necessidade de a lei densificar as condições da criação dessa base de dados, especificando em concreto as medidas de segurança e de proteção dos dados que devem ser adotadas.

Além disso, o regime de acesso a esta informação pessoal deve ser revisto, preconiza o parecer, ao sublinhar que o “acesso a dados pessoais de saúde mental representa um grau de ingerência tão elevado na vida privada dos respetivos titulares que apenas interesses específicos e em circunstâncias bem densificadas no plano legislativo devem legitimar o acesso a tal informação”.

A CNPD recomenda também que se estabeleça a natureza secreta do processo de tratamento involuntário, que constava do anterior regime legal e que “caiu” na atual proposta, ou pelo menos um regime de acesso reservado.

O parecer defende ainda que seja regulado o procedimento de identificação de “pessoa de confiança”, eventualmente no processo clínico ou no processo de tratamento involuntário, por razões de certeza jurídica.

Esta figura de “pessoa de confiança” é uma inovação prevista na nova Lei de Saúde Mental, sendo indicada pelas pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental, mas não sendo necessária qualquer intervenção judicial para a sua designação.

Segundo a CNPD, a lei nada diz “sobre a forma ou procedimento a seguir para a designação da pessoa de confiança, nem tão-pouco se e onde fica registada tal qualidade”, o que pode levar a que “qualquer terceiro invoque essa qualidade e tenha acesso a dados relativos à saúde mental de outrem”.

O diploma do Governo sobre a saúde mental foi aprovado, na generalidade, no parlamento em outubro de 2022 e pretende substituir a legislação sobre esta matéria em vigor há cerca de 20 anos.

A proposta de lei, que baixou à Comissão de Saúde, insere-se na reforma da saúde mental que o Governo quer concluir até final de 2026 e que recorre a 88 milhões de euros para investimentos nesta área, disponíveis no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

De acordo com o Ministério da Saúde, o diploma, que teve o contributo de um grupo de peritos, pretende atualizar a legislação que vigora nas últimas duas décadas, tendo em conta os desenvolvimentos científicos, jurídicos e de direitos humanos registados ao longo desse período.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Prémio Inovação em Saúde: IA na Sustentabilidade

Já estão abertas as candidaturas à 2.ª edição do Prémio “Inovação em Saúde: Todos pela Sustentabilidade”. Com foco na Inteligência Artificial aplicada à saúde, o concurso decorre até 30 de junho e inclui uma novidade: a participação de estudantes do ensino superior.

Torres Novas recebe IV Jornadas de Ortopedia no SNS

O Centro de Responsabilidade Integrado de Ortopedia da ULS Médio Tejo organiza as IV Jornadas dos Centros de Responsabilidade Integrados na área da Ortopedia este sábado, 12 de abril, no Teatro Virgínia, em Torres Novas. O evento reúne especialistas nacionais e internacionais.

SPMS alerta para esquema de phishing em nome do SNS

Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) alertam para um esquema fraudulento envolvendo mensagens SMS em nome do SNS. As falsas comunicações pedem atualização de registo para evitar perda de acesso aos cuidados de saúde, mas visam roubar dados pessoais ou instalar vírus.

Saúde mental prioritária: 1 psicólogo por cada 500 alunos

A nova Lei n.º 54/2025 estabelece um rácio de 1 psicólogo por cada 500 alunos nas escolas públicas e cria uma rede de serviços de psicologia no ensino superior, incluindo uma linha telefónica gratuita. Estas medidas reforçam a saúde mental e o bem-estar educacional em Portugal.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights