“Estou feliz”, começou por verbalizar, recordando a cirurgia que desde final de janeiro lhe voltou a permitir abrir a boca, para começar a comer e beber com alguma normalidade, além de retomar a fala, 23 anos depois.
Natural do distrito de Mecula, província de Niassa, Calado Hermínio sofria desde criança de anquilose, uma adesão anormal, com rigidez, de uma articulação, resultado de lesão ou doença.
Tudo aconteceu em 2002, quando tinha apenas 8 anos, ao sofrer uma queda quando tentava afugentar macacos de um campo agrícola da família. O incidente afetou a articulação temporomandibular, levando à fusão óssea que impedia desde então a abertura da boca.
Foi assim que deixou de conseguir falar e a alimentação era limitada a líquidos e alimentos leves, consumidos com grande dificuldade. Apenas concluiu a quinta classe e aos 23 anos passa os dias a ajudar a família, na apicultura e na pesca, além da agricultura.
Devido à condição de saúde, enfrentou o estigma social ao longo de mais duas décadas, até que a cirurgia, em janeiro, começou a devolver-lhe uma vida perdida, apesar de alguma oposição inicial da família para sair da terra e procurar tratamento em Nampula, a mais de 700 quilómetros de distância.
“Já estou a ter um pouco de moral”, confessa.
Ainda em fase de recuperação da cirurgia, realizada em 27 de janeiro no maior hospital do norte de Moçambique, o jovem Calado não esconde a emoção ao poder explicar pela própria boca como foram estes anos.
“Muito difícil. Após a queda fiquei dois dias sem conseguir abrir a boca, mas pensei que seria passageiro. Os dias e os anos foram passando e continuei assim, não conseguia abrir a boca nem para comer, falava com as pessoas através de gestos”, recorda.
Continuou sem voz até que a associação religiosa Estrela do Amanhã o identificou em outubro de 2024 e o encaminhou para Nampula, para finalmente receber tratamentos médicos, local onde continua internado.
A situação de Calado foi descoberta pelo programa Mozmed, daquela missão religiosa, composta por médicos generalistas e que trabalham em comunidades recônditas sem acesso a serviços de saúde especializados.
Além de Meconta, a missão trabalha igualmente no distrito de Angonia e Tsangano, na província de Tete, centro de Moçambique.
O presidente da missão Mozmed, Jacinto Joaquim, explicou que no ano passado transportaram para tratamento no Hospital Central de Nampula 43 pacientes com diversas patologias e que necessitavam de intervenção cirúrgica. Desses, 42 foram operados anteriormente e agora também o jovem Calado, cuja cirurgia foi um caso único naquele hospital.
“Ele já estava a desistir porque grande parte dos que foram com ele já haviam sido operados e regressado a casa”, admitiu Jacinto Joaquim.
Um nível de satisfação que se fez sentir igualmente no hospital, pela nova vida do jovem.
“Estamos extremamente satisfeitos com o sucesso desta operação que devolveu a fala deste jovem”, explicou Daniel Sitóe, medico dentista do Hospital Central de Nampula, que acompanhou a cirurgia de quatro horas ao jovem, equipa liderada pelo cirurgião maxilofacial Alexeis Amita.
“Para mim, como dentista, foi a primeira vez a acompanhar um caso de género. O impacto que a cirurgia trouxe para a vida de Calado é incrível e satisfatório”, destacou o clínico.
NR/HN/Lusa
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