Covid-19: Mundo deve preparar-se para nova pandemia com vigilância e planeamento

9 de Março 2025

Cientistas consideram que o mundo está mais bem preparado para enfrentar uma nova pandemia, face aos erros e lições aprendidas com a covid-19, defendendo que a estratégia futura passa por vigilância, planeamento, investimento e cooperação.

“Na medida em que temos mais conhecimento e experiência, estamos, em princípio, mais bem preparados. Mas o mundo não tem evoluído para melhor, designadamente na relação entre política e saúde pública”, lamenta, à Lusa, o físico e comunicador de ciência Carlos Fiolhais, numa alusão aos Estados Unidos, potência mundial governada pelo negacionista da covid-19 Donald Trump.

A poucos dias de perfazerem cinco anos sobre a declaração pela Organização Mundial da Saúde da covid-19 como uma pandemia, que já matou mais de sete milhões de pessoas entre os mais de 700 milhões de infetados, a Lusa questionou cientistas portugueses sobre se o mundo estaria mais bem preparado para enfrentar uma nova pandemia e qual deveria ser a estratégia de combate futura.

“Primeiro, não cometer de novo o erro do esquecimento e da subestimação. A forma como estamos a ignorar os alertas para a resistência microbiana e o perigo futuro que é o alastrar de bactérias para as quais não dispomos de antibióticos devem fazer-nos refletir sobre até que ponto aprendemos com a pandemia”, assinala o bioquímico Miguel Castanho.

Segundo o investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, “é preciso estudar melhor como vírus e bactérias se adaptam aos novos fármacos e vacinas para depois desenvolver novas soluções terapêuticas”.

“Mas temos de fazer estes estudos antes das próximas pandemias, como um aluno consciente que faz os seus TPC [Trabalhos Para Casa] antes de ir para a aula”, frisa, salientando que com a covid-19 “se pagou muito caro” a “falta de planeamento atempado” e de investimento em medicamentos antivirais com ampla aplicação.

“Existe neste momento um enorme esforço para o desenvolvimento de antivirais de largo espetro, incluindo projetos de consórcios europeus liderados por portugueses (…). Quando este esforço der frutos, estaremos muito melhor preparados para uma futura pandemia viral porque poderemos usar estes medicamentos logo a partir do momento em que surge o primeiro foco de potencial pandémico”, sublinha Miguel Castanho.

O investigador destaca como “grande lição” do combate à covid-19, doença respiratória declarada como pandemia em 11 de março de 2020, a de que “a cooperação vale mais do que a competição”.

“Enquanto da cooperação científica nos quatro cantos do mundo veio a caracterização do vírus em tempo recorde, permitindo colocar no terreno o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, da esgrima das nações sobre quem retirava mais dividendos políticos e mediáticos do lançamento de vacinas pouco se aproveitou”, invoca, ressalvando, porém, o facto de a União Europeia se ter revelado um “espaço solidário na aquisição de vacinas e sua distribuição”.

Para o físico Carlos Fiolhais, coautor do livro “Apanhados pelo vírus – Factos e mitos acerca da covid-19”, por causa dos “atrasos iniciais” na resposta à pandemia “era conveniente estabelecer mecanismos internacionais de pronto alerta para o caso de surgimento de novos microrganismos potencialmente letais para os humanos”.

Além disso, os “processos de fabrico de novas vacinas podem ainda ser acelerados agora que os procedimentos técnicos foram aperfeiçoados”.

“Na próxima vez, devíamos evitar o que correu mal – atrasos e deficiências na comunicação, egoísmos nacionais que prejudicaram a cooperação – e repetir o que correu bem – normas de saúde pública e a conceção e distribuição de novas vacinas”, defende Carlos Fiolhais, professor jubilado da Universidade de Coimbra.

Para a geneticista Luísa Pereira, “a resposta a um desafio global” como uma pandemia “deverá ser concertada e idealmente mais equitativa”.

“Tem de haver sequenciação de vírus em várias amostras mundiais para acompanhar o elevado dinamismo da evolução viral. Alguns continentes e países estavam menos bem preparados para o fazer em tempo real. É necessária capacitação tecnológica e de peritos”, advoga a investigadora do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto.

Para a imunologista Helena Soares, a estratégia de atuação futura pressupõe “reforçar a capacidade de identificar surtos de infeção localmente e de encetar a resposta a nível global”, tirando partido de “testes moleculares pelos centros de monitorização” e da análise de material genético de microrganismos patogénicos nos esgotos e de dados de geolocalização de telemóveis.

“Esses dados deverão estar na base de modelos epidemiológicos que permitam antever a possível evolução do surto”, refere a investigadora da Universidade Nova de Lisboa, acrescentando que “serão necessários também modelos que informem sobre a adesão de diferentes comunidades a medidas de mitigação e de vacinação”, medidas e recursos que “deverão ser partilhados globalmente”.

NR/HN/Lusa

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

AICEP aprovou investimentos de 300 ME em quatro empresas

A Agência para o Comércio Externo de Portugal (AICEP) aprovou um pacote de investimento de mais de 300 milhões de euros, em quatro empresas, criando mais de 1.200 postos de trabalho, adiantou hoje o Governo.

Evoluir o SNS: Reflexão de Luís Filipe Pereira sobre o Futuro da Saúde em Portugal

Luís Filipe Pereira, ex-ministro da Saúde, analisa os desafios estruturais do SNS, destacando a ineficiência do Estado nas funções de prestador, financiador e empregador. Defende a transição para um Sistema de Saúde que integre prestadores públicos, privados e sociais, promovendo eficiência e liberdade de escolha para os utentes.

Doze medidas de Saúde para qualquer novo governo

O Professor António Correia de Campos, Catedrático Jubilado e antigo Ministro da Saúde, aponta doze medidas de Saúde para qualquer novo Governo. Nelas, defende que os programas políticos para as legislativas de 18 de maio devem priorizar a integração das várias redes do sistema de saúde, reforçando a articulação entre hospitais, cuidados primários, cuidados continuados e ERPI. Propõe ainda soluções transitórias para a falta de médicos e aposta na dedicação plena para profissionais do SNS

Eixos centrais para a transformação e sustentabilidade do SNS

Ana Escoval, Professora Catedrática Jubilada da ENSP (NOVA) e vogal da Direção da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar, analisa as propostas dos partidos para as legislativas de 18 de maio, destacando a necessidade de inovação, integração de cuidados, racionalização de recursos e reforço da cooperação público-privada como eixos centrais para a transformação e sustentabilidade do SNS

Prioridades para a Saúde nas Legislativas 2025: Propostas de Pedro Pita Barros

Pedro Pita Barros, especialista em economia da saúde e professor da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), propõe para as legislativas de 18 de maio um reforço do SNS, valorização dos profissionais, aposta nos cuidados primários e continuados, redução dos pagamentos diretos das famílias, estabilidade na gestão das ULS e consensos na saúde oral e mental, destacando a necessidade de medidas concretas e transversais

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights