Ameaça da Polónia e Hungria às bases do Estado de direito na Europa debatida em Lisboa

5 de Dezembro 2021

 A forma como o posicionamento da Polónia e da Hungria ameaça “valores fundamentais” da União Europeia, como a independência do poder judicial e a defesa do Estado de direito, vão estar em debate em Lisboa na próxima semana.

“Esta conferência é sobre o tema europeu do momento”, disse à Lusa o juiz Filipe Marques, presidente da MEDEL (Magistrados Europeus pela Democracia e as Liberdades) sobre a conferência ‘Estado de Direito na Europa’, que decorre a 09 e 10 de dezembro, que vai decorrer na Universidade Católica Portuguesa, tendo já mais de 200 pessoas inscritas e a presença confirmada de magistrados e académicos vindos de mais de 15 países.

Filipe Marques considerou que as crises na União Europeia (UE) sempre tiveram na base divergências sobre fundos comunitários, a sua distribuição ou políticas setoriais. A posição desafiante da Hungria, num primeiro momento, e agora da Polónia, onde recentemente o Tribunal Constitucional decidiu que não existe primazia do direito comunitário sobre o direito nacional no país e não se cumprem decisões de tribunais europeus, veio pôr em causa “as bases” da União.

“Estamos a falar dos valores fundamentais da UE, do respeito pela independência do poder judicial, pelo princípio do Estado de direito, estamos a falar de algo que pode pôr em causa a própria base da UE e é isso que neste momento preocupa todos os Estados. Estamos a falar de um sistema que está construído com base na possibilidade de os sistemas judiciais nacionais, continuando a ser diferentes, terem de cooperar com base na confiança mútua”, disse o presidente da MEDEL.

Sem certezas sobre garantias processuais e sem garantias de independência dos juízes dos outros países “deixa de haver possibilidade de reconhecimento de sentenças e este é que é o grande problema, porque isto tudo mina a própria base da UE”, defendeu Filipe Marques.

O juiz português lembrou que foi uma ação da Associação Sindical dos Juízes Portugueses em 2018 no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que abriu portas a uma decisão que “mudou todo o tabuleiro do xadrez da UE”, ao decidir-se que este tribunal é competente para aferir o cumprimento, ou não, dos princípios do Estado de direito e a independência do poder judicial nos Estados-membros face ao poder executivo.

“Até então os Estados incumpridores estavam relativamente tranquilos, porque todos os mecanismos previstos para sanções dependiam de uma decisão unânime do Conselho” da União Europeia, disse Filipe Marques, sublinhando que o consenso estava sempre posto de parte com a proteção mútua que Polónia e Hungria se conferiam nestas decisões.

Do tribunal espera-se um acórdão relativamente à possibilidade de o acesso aos fundos comunitários ficar dependente do respeito pelos princípios do Estado de direito, algo que Polónia e Hungria contestam, mas que representa uma solução que Filipe Marques não tem dúvidas em classificar como “a mais eficaz para sancionar um Estado pelo incumprimento”.

Este poderá ser um dos caminhos e soluções a adotar no futuro, mas a conferência vai debater outros cenários, como se a Comissão Europeia deve continuar a interpor ações no TJUE, como já faz, contra os Estados que desrespeitam o direito comunitário, ou se deve tentar encontrar com o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu “outras iniciativas que estabeleçam um quadro geral de respeito pelos princípios do Estado de direito”.

Eventualmente, a resposta até pode ser o próprio TJUE.

“Muitas vezes ao longo da história da UE a falta de vontade política foi sendo colmatada pelas decisões do TJUE que ao aplicar os princípios do direito da União acabaram por forçar os políticos a atuar onde inicialmente não tinham vontade. Se calhar no plano da Justiça é isso que vai acabar por acontecer”, disse o presidente da MEDEL.

A atitude atual da Polónia não é um ‘Polexit’, mas não fica muito longe disso, na opinião de Filipe Marques.

“Com as decisões recentes a Polónia já se pôs de fora, não da UE, mas da união judiciária europeia. Não é uma saída da União Europeia, mas na prática é colocarem-se de fora de todo o sistema judicial europeu”, disse.

A MEDEL tem também acompanhado os desafios que a pandemia levantou ao nível do respeito pelas liberdades e garantias individuais nos diferentes Estados-membros da UE, com Filipe Marques a apontar o caso da Hungria, onde “houve a tentação de aproveitar estas medidas excecionais para ainda apertar mais as liberdades cívicas, muito para além do que seria razoável”.

Sobre vacinação obrigatória, este organismo ainda não debateu ou tomou posição, mas o presidente da MEDEL reconheceu que é um tema que “divide muito os Estados”.

“O grande desafio destes dois anos que estamos a viver é esse equilíbrio muito difícil entre as liberdades individuais e as necessidades de proteção coletiva, que exigem muita ponderação e que haja um sistema judicial verdadeiramente independente que permita que qualquer cidadão possa fazer valer as suas razões perante um poder judicial que não se deixe levar e que não seja uma mera caixa de ressonância do poder político”, disse.

A conferência, que vai fazer um ponto de situação sobre o Estado de direito na Europa e debater caminhos futuros tem na sessão de abertura o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, e a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, no encerramento, para além de participações ao longo dos vários painéis de diversos juízes, magistrados, académicos e eurodeputados, como João Caupers, presidente do Tribunal Constitucional, Paulo Rangel, eurodeputado, Miguel Poiares Maduro, ex-ministro, ex-advogado no TJUE e professor universitário ou José Manuel Pureza, deputado e professor universitário.

LUSA/HN

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