As ruas da Baixa de Lisboa, outrora pejadas de turistas e de ‘tuk-tuk’, estão agora a assistir a mais algum movimento, mas longe de ser como antes da pandemia de covid-19 ou mesmo em época homóloga onde se viam mais carros carregados de turistas do que vazios.
A meio da manhã, a rua do Comércio tem agora os ‘tuk-tuk’ em fila indiana à espera de turistas nacionais ou estrangeiros para as viagens pelos pontos emblemáticos da cidade. São mais veículos do que pessoas a quererem fazer viagens. A retoma ainda está longe de ser alcançada.
“Somos um bocado como formigas: ganhamos de verão para guardar para o inverno. De outubro a fevereiro é uma época muito má. Infelizmente, este ano, temos a continuidade da época má”, desabafou à Lusa Bruno Santos.
O jovem revelou que não têm sido tempos fáceis e calculou que o turismo em agosto está “talvez a 1%” quando comparado com os anos anteriores.
“Recebemos emigrantes franceses. Portugueses que estão em França. Pensámos que seria uma melhor época do que está a ser. Passámos semanas a zero, não há ninguém na rua como se pode ver, o mês de agosto costuma estar cheio”, afirmou, reconhecendo que foi a vinda dos emigrantes que o levou de novo à rua para conduzir o ‘tuk-tuk’.
Bruno Santos avançou ainda que os preços das viagens estão a ser “acomodados à carteira daqueles que os procuram”, fazendo agora valores ‘low cost’ e a duração da viagem menor.
“O patrão nem sempre concorda, mas é preferível assim do que estar parado, há dias em que não faço nenhum ‘tour’”, reconheceu Bruno que leva seis anos à frente de um ‘tuk-tuk’.
Vida difícil tem tido também Helena de Rivera, que trabalha na área da animação turística há vários anos. Reconhece que, quando as fronteiras ainda não estavam abertas, os portugueses “alinhavam mais”.
“Tem sido um bocado complicado, não há turistas por causa da situação mundial. Há 15/20 dias estamos a receber mais franceses, espanhóis, alemães e belgas”, disse.
No entanto, lembrou que existem “tantos ‘tuk-tuk’ e tantas pessoas a querer trabalhar que os turistas ainda não chegam” para todos.
Helena de Rivera ficou sem o trabalho que tinha antes da pandemia – fazia ‘tours’ gastronómicas sobretudo com os turistas norte-americanos – e teve de voltar aos ‘tuk-tuk, área na qual já tinha tido experiencia.
“Voltei há cerca de uma semana, não sei o que vai dar, é uma incerteza gravíssima para todos. Estávamos com um trabalho cá em Portugal e Lisboa fantástico a todos os níveis e agora ficámos constrangidos”, desabafou, contando estar a ter apoio da Segurança Social, senão a sua situação seria “ainda mais difícil”.
Carlos Cunha tem o ‘tuk-tuk’ parado na Praça da Figueira. Contou à Lusa que está a ter apoio também, mas da parte do Turismo de Portugal, um empréstimo que terá de pagar “em dois anos sem juros”.
“Estive parado até 01 de junho. Não se fazia nada. Fiz dois ‘tours’ no mês de junho. Em julho já começou a levantar”, explicou.
Na semana em que Lisboa recebe a inédita ‘final a oito’ da Liga dos Campeões de futebol, motivada pela pandemia de covid-19, Carlos Cunha conta que reinventou as viagens e adaptou as ofertas.
“Fazia ‘tours’ históricos, de monumentos, de arte urbana do Bordalo. Agora faço visitas ao estádios, vamos à ginjinha, à loja comprar souvenirs e depois uma volta ao estádio”, explicou, frisando ser “uma pessoa positiva”, acreditando que “tudo vai ter de acabar”.
Carlos Cunha contou que atualmente, numa semana de cinco dias de trabalho, está a ter de receitas o mesmo que fazia num só dia de trabalho no ano passado.
“Com a Liga dos Campeões, o mundo vai ver que Lisboa é a capital mais segura e as coisas vão mudar”, atirou.
Para o vice-presidente da APECATE – Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos, João Paiva Mendes, assistiu-se a uma “destruição massiva” do setor.
Apesar de reconhecer que o mercado nacional tem “boa vontade em contribuir para a recuperação”, o responsável considerou que não é suficiente “já que o poder de compra dos portugueses é diferente do dos estrangeiros”.
“Se falarmos no setor que já trabalhava com o público português com alguma regularidade, tem quebra de 50 a 60%, já que a componente de estrangeiros era muito importante para o desenvolvimento da atividade”, explicou, sublinhando, no entanto, que, para quem operava mais com o mercado estrangeiro, as quebras rondam os “85 a 90% em relação ao ano passado”.
Sem conseguir dar o número certo de ‘tuk-tuk’ a operar na cidade de Lisboa, João Paiva Mendes avançou que existem “mais de 30 a 40 mil empresas de animação turística, fragmentando muitos postos de trabalho de família”.
“São milhares de famílias que dependem do setor da animação turística (empresas de ‘tuk-tuk’, de parques aventura, apoios balneares), que é caracterizado pela sazonalidade. Faturam muito no verão, enquanto há sol e, no inverno, reorganizam-se, reestruturam-se e fazem algum tipo de investimentos”, explicou.
A pandemia, “não havendo altura boa para aparecer, aparece na pior altura possível, quando as empresas estavam descapitalizadas e se estavam a preparar para fazer uma curva de rentabilidade a partir de março”.
“Com o choque, é uma destruição massiva porque uma grande parte do setor não tem capacidade financeira para aguentar nem dois meses, quanto mais um ano ou ano e meio que é expectável [que seja] a retoma”, desabafou.
Apesar de reconhecer que os apoios não chegaram a todos, sublinhou que para muitas empresas pequenas as “ajudas limitadas não são prolongadas no tempo”, considerando que assiste-se só “a um prolongar a morte”.
João Mendes Paiva aponta como solução o “reforço do apoio às empresas” de forma a manter o tecido empresarial e em conjunto com outros parceiros, por exemplo, autarquias, “corrigir o que há para corrigir para um futuro mais organizado e melhor para todos os que operam nesta área”.
“Havia sempre o problema de não haver tempo para discutir e encontrar soluções, agora temos de aproveitar o tempo que temos para todos ganharem”, disse.
LUSA/HN
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