“É uma caminhada pela dignificação da classe médica”, explicou à Lusa o médico de clínica geral Idolsantos Chamba, 28 anos, que viajou mais de 450 quilómetros, desde uma unidade hospitalar em Inhambane, para se juntar aos colegas que hoje saíram às ruas em Maputo, em protesto.
“É mesmo em defesa dos nossos direitos, principalmente do nosso estatuto, que está em risco de ser revogado. Desde a implementação da tabela do salário único que nós temos vindo a ser prejudicados e realmente achamos que é necessário que nós levantemos a voz de uma forma diferente para lutar pelos nossos direitos”, apontou.
A caminhada desta manhã, sempre sob escolta policial, partiu cerca das 09:00 locais (08:00 em Lisboa) da sede da Associação de Médicos Moçambicanos (AMM), que a convocou, tal como a greve nacional destes profissionais, em vigor desde 10 de julho, em que pedem melhores condições para a classe, contestando cortes salariais, a falta de pagamento de horas extraordinárias e a revisão do estatuto próprio.
Ao fim de poucos metros de caminhada, na avenida Eduardo Mondlane, central e parcialmente cortada ao trânsito, o protesto dos médicos, com frases como “não brinca com o meu estatuto” ou é “preciso cuidar de quem cuida”, transformou-se em apupos, à passagem pela sede do Ministério da Saúde, fortemente visado pelas críticas dos médicos, que gritaram pedindo a demissão do ministro Armindo Tiago.
“Estamos em risco de perder diuturnidades, horas extras, tudo aquilo que nós adquirimos com o nosso estatuto depois de várias lutas, duas greves nacionais, pessoas que deram a vida para que pudéssemos ter esse estatuto e agora está em risco de revogação. É por isso que nós nos unimos e nos levantamos hoje para mostrar a nossa indignação, mostrar que nós temos voz também”, explicou Idolsantos Chamba.
Num braço de ferro com a AMM que se prolonga há vários meses, o Governo moçambicano admitiu na semana passada que estava a programar a contratação de 60 médicos e que os profissionais em greve seriam alvo de faltas.
“Não somos só 60”, responderam hoje, na caminhada, os médicos, perante os aplausos das centenas de curiosos que na rua ou à janela assistiam à marcha.
“Sabemos muito bem quais são os nossos direitos. Nós sabemos da lei. Nós sabemos que a greve é legal, não estamos a fazer nada fora da lei. Portanto, estas intimidações não nos afetam de modo algum”, acrescentou Chamba, reconhecendo, ainda assim, o impacto desta greve – inicialmente de 21 dias, já prorrogada por igual tempo e com a AMM a prever um terceiro período – nas populações, apesar dos serviços mínimos.
“A falta de um médico, um sequer, já faz uma grande diferença”, admitiu.
Helena Buque, 36 anos, é médica neurologista no Hospital Central de Maputo, está em greve e hoje, bem cedo, compareceu na sede da AMM para a caminhada porque diz que é tempo de o Governo e a sociedade civil ter “consciência” do que é preciso fazer pelo Sistema Nacional de Saúde.
“Devemos lutar para que o Sistema Nacional de Saúde tenha melhores condições para oferecer os serviços que a população precisa. Só nós é que podemos fazer isso. E é isto e esta ajuda que nós queremos pedir”, apontou, reconhecendo que a caminhada de hoje, transformada numa manifestação pela capital, é também pela “dignificação” da classe.
“Por toda a classe da saúde, não só para médicos. Nós queremos melhorias para todo o sistema nacional de saúde. Somos médicos, mas estamos aqui a marchar por todo o Sistema Nacional de Saúde”, atirou.
Para Helena Buque, a “dignificação” da classe médica é o “ponto importante” desta greve.
“Precisamos trabalhar em condições dignas, precisamos ser tratados como pessoas dignas, como funcionários de uma profissão que é digna e merece uma dignidade. A dignidade envolve tudo: qualidade de trabalho, condições de diagnóstico, de tratamento, condições de vida (…) Não aceitamos que o nosso estatuto seja cancelado”, atirou.
Um protesto que para Helena Buque, à passagem de 27 dias em greve, “é para ser levado a sério”, posição de resto corroborada pelo colega Damião Abdala, 34 anos, médico residente também no Hospital Central de Maputo e a fazer residência em cirurgia geral.
“Estamos a reivindicar os nossos direitos, temos todo o direito de fazê-lo. E hoje vai ser a primeira de, provavelmente, várias marchas que vamos fazer rumo a este direito que nós estamos a exigir do Governo”, afirmou Damião Abdala.
Como todos os outros colegas presentes na caminhada, afirma que mexer no estatuto profissional, como o Governo o fez, foi a gota de água, após vários desentendimentos.
“O cálculo das horas extras segundo uma fórmula específica que os médicos têm na administração pública, nunca foi usada desde que foi aprovado este estatuto (…) estamos aqui a correr atrás para que sejam efetivamente aceites pelo Governo e efetivadas a nível daquilo que é o regulamento do médico”, sublinhou o médico.
Tudo porque, diz, são necessárias “melhores condições para a população” e porque nos hospitais “há falta de muita coisa”.
“Estamos a reivindicar que haja melhores condições para que nós tratemos, possamos levar saúde, aos nossos pacientes”, garantiu.
Igualmente em greve desde 10 de julho, Damião Abdala faz parte da equipa que assegura os serviços mínimos no maior hospital do país, garantindo que tentam, “na medida do possível”, fazer o “melhor”.
“Dizemos sempre à população que não estamos zangados, apenas estamos em greve a exigir aquilo que é nosso de direito”, concluiu.
LUSA/HN
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