SOS Amianto lamenta inexistência de estudos epidemiológicos às populações de Algés

12 de Janeiro 2025

Os resultados do estudo sobre a presença de amianto no Passeio Marítimo de Algés, em Oeiras, admitindo riscos para utilizadores, não surpreendem Carmen Lima, da SOS Amianto, que lamenta a inexistência de estudos epidemiológicos a antigos trabalhadores e moradores.

“Não me surpreendem. Aliás, não me surpreende que no passeio marítimo, junto da Lusalite, existam detritos de amianto”, nem “em outras zonas do concelho”, pois “durante vários anos os munícipes de Oeiras relataram que, quando a fábrica estava a laborar, os resíduos iam sendo encaminhados para um lado e para o outro”, afirmou a presidente da SOS Amianto – Associação Portuguesa de Proteção Contra o Amianto.

Um estudo sobre a presença de amianto no Passeio Marítimo de Algés/Praia da Cruz Quebrada e Dafundo concluiu que, “tendo em conta o relatório de análises do ar efetuado e o valor-limite de exposição” registado, “existe um risco moderado para todos os utilizadores do passeio marítimo”.

No relatório da Amiacon alerta-se, no entanto, que uma nova diretiva europeia para proteção do risco de exposição ao amianto, de 22 de novembro de 2023, a transpor para o direito nacional até dezembro, prevê um limite “cinco vezes menor do que o valor utilizado hoje”, que “se já estivesse em vigor, transformaria o risco de exposição” em “elevado”.

“Aquilo está cheio de resíduos de amianto, porque eles eram usados exatamente para tapar os buracos da própria estrada, era uma prática normal há uns anos, quando não se sabia o que se sabe hoje, portanto, não me surpreende, nem deveria surpreender nenhum dos autarcas de Oeiras”, considerou Carmen Lima.

A engenheira do Ambiente, especialista em amianto, salientou que a antiga fábrica é todo “um mostruário da utilização do fibrocimento”, incluindo os autoclismos das instalações sanitárias.

Notando que as pessoas “se esquecem que existe cerca de 4.000 materiais onde se utilizou fibras de amianto” e que as coberturas são apenas um desses materiais, na Lusalite construíram-se “milhares de metros lineares de tubagens”, distribuídas pelo país fora “no abastecimento de água e na recolha de saneamento”.

Sobre a inexistência de estudos dos efeitos do amianto na saúde das populações, apontou que “é uma falha das autoridades de saúde” e “do Governo português”.

A especialista defendeu que, quando a Lusalite faliu, o Estado português deveria ter assumido a responsabilidade de monitorizar “a saúde das pessoas que trabalharam na fábrica” e “fazer estudos epidemiológicos da população nas imediações” da unidade fabril.

Isso não se fez e também não foi assumida “a proteção dos trabalhadores”, que vieram, alguns, a morrer mais tarde “por doenças comprovadamente provocadas por exposição ao amianto”, bem como pessoas que frequentavam a praia junto à Lusalite.

“Esta responsabilidade de proteção dos trabalhadores e das populações não foi assegurada, porque às vezes é preferível não se saber. Porque, se não sabemos, não temos que assumir responsabilidades, mas na União Europeia este assunto já desde 2003, através de uma diretiva, foi considerado prioritário”, vincou, adiantando que Portugal “tem um ano para começar a trabalhar numa estratégia nacional”.

A Inspeção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), em outubro de 2022, na sequência de um alerta da vereadora Carla Castelo, da coligação Evoluir Oeiras (BE/Livre/Volt), informou a autarquia que, em 2013, efetuou uma inspeção à Lusalite e a análise das amostras sólidas recolhidas “não demonstrou a presença de amianto e perigo para a saúde pública”.

No entanto, perante os resíduos encontrados entre a Cruz Quebrada e o Dafundo, a IGAMAOT notou que, sem prejuízo de outras entidades, a fiscalização incumbe ao município, remetendo para a câmara a averiguação “e atuação em conformidade” com vista à “remoção e envio para destino autorizado dos resíduos”.

Após conhecer o estudo, em dezembro passado, Carla Castelo apresentou uma proposta de deliberação ao executivo, em 02 de janeiro, para que o relatório “seja divulgado” no portal municipal e realizadas “sessões de esclarecimento à população sobre os riscos da exposição ao amianto”, com participação da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental e Oeiras e “especialistas em saúde ambiental, incluindo em abestose, mesoteliona e cancro do pulmão”, provocadas pela inalação de fibras.

Na proposta advogam-se ainda medidas “para proteger os trabalhadores do município que fazem a recolha dos resíduos” na zona, bem como “os munícipes e todos os utilizadores das praias” e do passeio marítimo, com informação das “medidas de proteção preventiva que devem adotar”.

A proposta aguarda agendamento para reunião de câmara, mas, para Carla Castelo, “a opção política” de nem sequer a agendar para discussão “é mais uma vez negligenciar a saúde dos munícipes e dos utilizadores daquela zona e continuar a desvalorizar os resultados do estudo”.

A autarquia contactou, em setembro passado, pelo menos uma empresa especializada em remoção de resíduos com amianto, na praia da Cruz Quebrada e ciclovia de Algés, que apresentou um orçamento de 115.000 euros para uma primeira intervenção, durante três meses, mas fonte oficial não confirmou à Lusa se a operação já foi contratada.

“Estas preocupações e alertas não são de hoje, estando as autoridades de saúde alertadas para esta situação há décadas”, notou a câmara.

lusa/HN

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