Numa altura em que a ‘task-force’ criada pelo Governo para coordenar todo o plano de vacinação contra a covid-19 está a trabalhar para definir todo o processo, é pouco aquilo que já se sabe, incluindo se a vacinação vai ou não passar pelas farmácias comunitárias.
Se isso acontecer, serão provavelmente os distribuidores farmacêuticos a levar as vacinas até esse destino final, mas até agora a associação que representa o setor não sabe se vai ou não participar na operação logística que antecipa ser complexa, mas para a qual dizem ser os mais bem preparados.
“É um processo complexo, mas sobre o qual já temos o ‘know-how’ e acreditamos que os operadores da distribuição farmacêutica são aqueles que têm maior capacidade para fazer este tipo de distribuição”, disse à Lusa o presidente da Associação de Distribuidores Farmacêuticos (Adifa).
Referindo a experiência com a vacina da gripe, Nuno Cardoso explica que estes operadores já têm toda uma operação montada para fazer chegar esta vacina às farmácias, mas não descarta desafios acrescidos na nova missão.
“Colocam-se desafios desde logo pela dimensão do volume. Sendo uma vacinação em massa, será sempre uma operação complexa que tem de ser planeada, antecipada e discutidos os seus modelos o mais rapidamente possível”, considerou.
Na semana passada, o primeiro-ministro afirmou que o país está preparado para comprar cerca de 16 milhões de doses de três vacinas, mas antes que cheguem a Portugal há um conjunto de desafios logísticos que é preciso resolver, desde a distribuição ao armazenamento.
E se uma das três vacinas que deverá chegar a Portugal é a da farmacêutica Pfizer e da parceira alemã BioNTech, que tem de ser conservada a temperaturas muito baixas, até -70oC, colocando desafios ainda maiores.
“É preciso um conjunto de condições de transporte e armazenamento com ultrafrio. Isso exige que todo o circuito tenha capacidade de cumprir esses requisitos e garantir essa temperatura”, explicou à Lusa Hélder Mota Filipe, professor na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e antigo presidente do Infarmed.
Essas condições são asseguradas na altura do transporte através do chamado gelo seco (ou seja, dióxido de carbono em estado sólido) e depois com o recurso a ultracongeladores que atinjam temperaturas tão baixas.
Segundo Hélder Mota Filipe, há outros fármacos que requerem -70oC, mas são pouco frequentes, pelo que a rede de frio não estará atualmente preparada para uma quantidade tão grande de vacinas com este critério.
“As farmácias têm outros medicamentos que necessitam da rede de frio, quer negativa quer de +2oC a 8oC [como é o caso da vacina da Moderna], portanto não tenho dúvidas que as farmácias possam ser equacionadas. Para -70 oC a rede não estará com certeza preparada, sem levar um ‘upgrade’”, considera o especialista.
Mas a decisão de incluir as farmácias no plano de vacinação ainda não foi tomada. Essa é uma das tarefas a cargo do grupo de trabalho que tem de desenhar toda a operação logística de armazenamento, distribuição e administração das vacinas.
Para Hélder Mota Filipe, seria importante que a vacinação chegasse tão perto da população quanto possível e que, por isso, passasse pelas farmácias comunitárias, mas para isso é preciso assegurar que todo o circuito, desde o transporte ao destino, está preparado para esse trabalho.
“Eu não conheço os pormenores da logística que está a ser montada, mas depende muito da capacidade e dos equipamentos disponíveis. É importante que se consiga ter a vacina nos locais mais próximos da população, mas é importante não comprometer a qualidade da rede”, explicou.
Do lado dos distribuidores farmacêuticos, também prevalecem as incógnitas, mas Nuno Cardoso sublinha que se a intenção for contar com as farmácias para a vacinação, seria importante que o setor também participasse no planeamento.
“O que temos vindo a apelar é que se estes pontos de vacinação vierem a ser incluídos, que a distribuição farmacêutica seja incluída nos trabalhos em curso o mais rapidamente possível para podermos trabalhar em conjunto e identificar limitações, soluções e oportunidades e acima de tudo acrescentar ‘know how’ e valor à discussão”, sublinhou o presidente da Adifa.
Apesar de todos os desafios, a ministra da Saúde garantiu na quarta-feira que o risco de Portugal não estar preparado para vacinar contra a covid-19 quando a vacina for distribuída é “zero”, referindo que “há muito” que o país se está a preparar.
Na semana passada, Marta Temido explicou que o país “tem de estar preparado” para fazer uma distribuição segura no que toca a garantir os circuitos de transporte, ter profissionais alocados para a administração das vacinas, ter os registos informáticos assim como garantir que são anotadas “reações adversa que eventualmente surjam”.
A governante adiantou também “a possibilidade de uma das primeiras vacinas estar calendarizada para chegar em janeiro”.
Além das questões logísticas, a ‘task-force’ criada pelo Governo é também responsável por definir a estratégia de vacinação, que inclui a identificação dos grupos alvo prioritários, administração e seguimento clínico de resultados e reações adversas.
Em relação à distribuição por faixas etárias e dúvidas colocadas sobre os grupos prioritárias, o coordenador da ‘task force’, Francisco Ramos, disse à Lusa que a proposta apresentada pela DGS “não tem qualquer limite de idade para as pessoas internadas em lares”.
“A existir, será pelas características das próprias vacinas e não por uma escolha de quem tem responsabilidade de decidir quem deve ser vacinado, nomeadamente quem será vacinado numa primeira fase”, que abrangerá cerca de um milhão de pessoas, explicou.
Sobre esta questão, o especialista Hélder Mota Filipe explicou também que todas as vacinas que estão a ser desenvolvidas têm de demonstrar a sua eficácia nos vários grupos, incluindo os mais idosos, uma condição imposta pela Agência Europeia de Medicamentos.
“O que pode acontecer é que haja vacinas que se comportem melhor num grupo populacional do que noutro. E daí a importância de nós termos o máximo de vacinas diferentes disponíveis”, sublinhou.
A ‘task-force’ criada pelo Governo tem um núcleo de coordenação, liderado pelo ex-secretário de Estado Francisco Ramos e que inclui elementos da Direção-Geral da Saúde, Infarmed e dos ministérios da Defesa Nacional e da Administração Interna e conta com o apoio técnicos de diversas estruturas.
O Estado-Maior-General das Forças Armadas, a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, I. P. (INÇA), os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) são as entidades de apoio técnico.
LUSA/HN
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