Autonomia na organização hospitalar devia ser mantida – especialista

21 de Fevereiro 2021

O diretor do serviço de Infecciologia do Centro Hospitalar de Setúbal defende que devia ser preservada muita da organização hospitalar na pandemia, que não resultou de diretivas superiores, mas do esforço dos próprios profissionais e dos serviços.

“Muita da organização hospitalar nesta pandemia resultou não de diretivas que vieram superiores, não tivemos assim tantas com substância (…). Mais cedo ou mais tarde, toda a gente se foi adaptando e reinventando”, disse o responsável, sublinhando que isso fez com que os médicos ganhassem mais autonomia.

“Mostraram que, com as condições que tinham e que criaram, foram capazes de contribuir para uma resposta que podia ter sido, apesar de tudo, mais deficitária (…). Esta autonomia foi algo que acabou por ter de acontecer e devia ser preservada”, defendeu.

José Poças frisou que os profissionais de saúde estão “muito cansados de trabalhar, como nunca”, mas dispostos a enfrentar mais uma batalha: a de ajudar a recuperar a atividade nos doentes não covid.

“Temos de o fazer. Se vai haver uma diretiva regional, nacional ou local, homogénea para a especialidade A B ou C, ou se vamos estar entregues a nós próprios, isso não sei, cabe ao poder central dizer como é que vai fazer”, afirmou.

Defendeu também que os médicos, por pressão da sua missão, “que é resolver o problema enquanto houver doentes e doenças”, “vão voltar” a assumir a dianteira.

“Vamos fazer isso, com ou sem orientação, nem que seja por serviços, por especialidade, será de alguma forma”, disse o responsável, defendendo que, contudo, desejaria que houvesse “algo que permitisse que quem está mais deficitário pudesse socorrer-se de quem está mais aliviado”, dando o exemplo da maior taxa de esforço exigida na terceira onda da pandemia aos hospitais da periferia.

E não só: “Por exemplo, há um grande equívoco relativamente à doença oncológica”.

“Houve uma altura em que se dizia que os doentes podiam ir para os IPO [hospitais não covid], mas os IPO [institutos portugueses de oncologia] já têm demasiadas listas de espera e, apesar de serem muito grandes e trabalharem muito, a grande maioria da doença oncológica a nível nacional não é tratada nos IPO”, afirmou o especialista, sublinhando a importância de os hospitais trabalharem sempre em rede, ajudando-se uns aos outros.

Sobre a necessidade de “carregar no acelerador” para recuperar dos atrasos, respondeu: “Tenho certeza de que vai ocorrer, mesmo se não houver diretivas superiores. Cada hospital, cada serviço, cada diretor de serviço, cada especialidade vai encontrar a melhor resposta possível”.

“Sou favorável a que haja autonomia, mas também sou favorável a que haja diretrizes gerais”, sublinhou, lembrando que “a realidade hospitalar é tudo menos homogénea” e que alguns cuidados de que os doentes precisam, se não existem numa unidade hospitalar, devem encontrar resposta noutro hospital.

Sobre o que correu mal, José Poças defendeu que o que aconteceu foi consequência “de se pretender, ao limite do possível, conjugar a saúde com economia”.

“Toda a gente percebe que esse esforço tinha de ser feito. Simplesmente, a partir de determinada altura, consoante o contexto, temos um desequilíbrio manifesto num dos componentes [saúde]. Neste caso, temos de ir rapidamente e antecipar o cenário, pois não há economia sem saúde, nem saúde sem economia”.

Disse também que alguns erros, já assumidos, tiveram “consequências graves”, que não foi “por falta de aviso” e defendeu que se deveriam ter feito as previsões sempre sobre “o pior dos cenários”.

LUSA/HN

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