Proibir teletrabalho a médicos que são doentes de risco é chocante e malévolo

16 de Junho 2020

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) considera uma opção “chocante” e “malévola” que vai “contra o mais elementar bom senso” obrigar médicos que são também doentes de risco a prestarem funções presenciais, por serem considerados trabalhadores essenciais.

Em ofício dirigido ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, o SIM expõe aquilo que considera ser uma contradição na lei relativamente à proteção de doentes de risco quando estes são profissionais de saúde e “reputa de, no mínimo, malévola” a norma que os exclui da possibilidade de desempenharem a sua atividade em teletrabalho, tal como previsto para a generalidade dos doentes imunodeprimidos ou portadores de doença crónica no âmbito da atual pandemia.

O SIM considera que vai “contra o mais elementar bom senso” obrigar médicos que são doentes de risco a prestar assistência diária a “suspeitos, infetados e doentes de covid-19”.

“O legislador houve por bem desproteger a saúde e a própria vida daqueles que mais deveria proteger. O legislador houve por bem descriminar negativamente aqueles a quem, há que tê-lo também presente, igualmente exige que prestem trabalho suplementar ilimitado por tempo indeterminado […] Em síntese, contra os mais sacrificados, expostos a todas as vicissitudes e sujeitos à maior penosidade e risco profissional, adiciona-se uma injustificação a respeito da não prestação de trabalho, logo se forem os mais fracos de entre todos”, lê-se no documento.

O SIM recusa o argumento de que todos os trabalhadores do setor da saúde são essenciais para justificar “uma convocação universal, irrestrita e sem ponderação de quaisquer critérios de justiça e de segurança” que se pode traduzir no aumento exponencial de trabalhadores da saúde infetados com o novo coronavírus.

“De que serve a uma comunidade convocar ‘todos’ num primeiro tempo, para num segundo tempo perder parte, totalmente evitável, desses ‘todos’, visto que não escusou, como poderia e deveria ter feito, aqueles cujo recato lhe caberia assegurar enquanto única forma de poder contar também com eles, desde logo para outras tarefas não tão expostas e, mais tarde, de regresso sem sequelas ao seu pleno e típico desempenho profissional?”, questiona o sindicato.

O SIM defende ainda que “a chocante opção do Governo, não é unicamente má, mas porque o é, e muito, constitui um intolerável desrespeito pelos princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade, entre outros com assento na nossa Constituição”.

“Isto sem perder de vista que de igual passo incorre na grosseira violação de direitos equiparados a direitos fundamentais […] a saber, o direito à segurança e saúde no trabalho e o direito à saúde em geral, mas também o crucial direito à vida […] e a própria proteção da deficiência”, acrescenta.

“Acresce que, a uma muito má lei como a presente, tantas vezes se soma a péssima conduta que ela desperta nessa espécie de dupla desinteligência daqueles que a aplicam, o que no caso que nos ocupa se tem manifestado nos locais de trabalho na infestante atitude de quem mal gere a coisa pública, recusando sequer tentar, ‘ultra legem’ [ir para além da lei], que não ‘contra legem’ [contra a lei], encontrar alternativas que de algum modo protejam aqueles que, de entre os trabalhadores médicos, mais carentes de proteção se encontram”, defende ainda o SIM.

O ofício do sindicato dos médicos pede a Ferro Rodrigues que, “no âmbito do alto magistério de influência que detém” haja para eliminar a “tremenda injustiça” contra estes clínicos, “seja pela urgente revisão revogatória da iníqua lei aqui sindicada, seja pela expressa inclusão dos trabalhadores médicos, mas também de todos os demais trabalhadores que exercem funções essenciais no quadro pandémico”, permitindo-lhes que não sejam expostos ao vírus.

Portugal contabiliza pelo menos 1.520 mortos associados à covid-19 em 37.036 casos confirmados de infeção, segundo o último boletim da Direção-Geral da Saúde (DGS).

LUSA/HN

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