Isabel II, a rainha acidental que continua a fazer história

29 de Maio 2022

Um capricho do destino colocou Isabel II no trono britânico, no qual acabou por ficar uns históricos 70 anos, tornando-se na monarca com o mais longo reinado, que se estendeu do pós-guerra ao pós-covid 19.

Ao longo de sete décadas, a rainha cruzou-se com muitas figuras que marcaram a História e a atualidade internacionais como o primeiro primeiro-ministro da Índia, Jawaharlal Nehru, o imperador japonês Hirohito, o líder anti-apartheid e ex-Presidente sul-africano Nelson Mandela ou o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama.

Já ao nível da política interna, desde que subiu ao trono, o Reino Unido teve 14 primeiros-ministros, tendo convivido com Winston Churchill, Margaret Thatcher, Tony Blair ou Boris Johnson.

Ao mesmo tempo, viu encolher o extenso império britânico da era vitoriana, no qual se dizia que o sol nunca se punha, devido à descolonização, à transferência de Hong Kong para a China em 1997 e ao fim de laços com a coroa britânica, como fez os Barbados recentemente.

Apesar das crescentes pressões, conseguiu proteger a família real dos ataques aos privilégios herdados e hoje é inquestionavelmente um pilar essencial de um país multiétnico cada vez mais fraturado por divisões políticas, sociais e até regionais.

O nascimento de Elizabeth Alexandra Mary Windsor em 21 de abril de 1926 na casa dos avós maternos, em Londres, foi um acontecimento relativamente menor pois “Lilibet”, como era conhecida a menina de cabelos aos caracóis, não estava destinada ao trono.

Porém, a história mudou de rumo quando o tio sem filhos, Eduardo VIII, abdicou em 1936 para se casar com Wallis Simpson, uma norte-americana divorciada, pondo fim a uma calma vida familiar.

O irmão, e pai de Isabel, George VI, herdou o trono, abrindo o caminho da coroa à primogénita, que, no dia em que celebrou os 21 anos, prometeu dedicar a vida “seja longa ou curta” ao serviço do país.

Durante a Segunda Guerra Mundial, permaneceu sobretudo no Castelo de Windsor, evitando os bombardeamentos de Londres, mas mais tarde serviu como voluntária no Serviço Territorial do Exército como motorista e mecânica.

Em 20 de novembro de 1947, Isabel casou-se com Filipe, um primo afastado que renunciou aos títulos de príncipe da Grécia e da Dinamarca e à carreira na Marinha Real britânica para se consagrar ao papel de príncipe consorte.

A cerimónia foi relativamente discreta devido aos tempos de crise após a guerra, e a princesa teve que usar senhas de racionamento para pagar os tecidos do vestido.

O casal viveu em Malta entre 1949 e 1951, enquanto o príncipe Filipe cumpria uma comissão de serviço na Frota do Mediterrâneo.

Quando George VI morreu aos 56 anos, em 1952, Isabel tornou-se rainha com apenas 25 anos, então mãe de dois filhos, Carlos (nascido em 1948) e Ana (1950). Teve mais dois filhos já em funções, André (1960) e Eduardo (1964).

A cerimónia da coroação, na Abadia de Westminster em 02 de junho de 1953, foi transmitida pelo rádio em todo o mundo e, a pedido da rainha, pela primeira vez na televisão, atraindo uma audiência de milhões de pessoas.

No exterior, multidões de populares resistiram à forte chuva para assistir à passagem da rainha.

O papel da monarca britânica é essencialmente cerimonial e está acima das quezílias políticas, sabendo-se pouco do que pensa das decisões dos primeiros-ministros com quem conversa todas as semanas.

Antes de ter delegado ao príncipe Carlos a Abertura de Estado do parlamento em abril passado, leu sempre com uma voz indiferente e aguda o programa do Governo, um compromisso ao qual só faltou três vezes em 70 anos.

Além de chefe de Estado do Reino Unido, preside à Commonwealth, a organização de 54 países, incluindo 14 ex-colónias das quais continua a ser soberana, como Austrália, Canadá e Jamaica.

Os súbditos, empregados e até alguns familiares chamam-lhe “Ma’am”, trato alternativo a “Sua Majestade”.

Gosta de vestir-se com cores vivas, usa quase sempre de chapéu e nunca se separa da sua mala de mão.

Apesar do respeito consensual que hoje merece, o reinado teve também muitos altos e baixos.

O conto de fadas que foi o casamento em 1981 do príncipe herdeiro Carlos com Diana azedou rapidamente, apesar do nascimento dos dois filhos William e Harry.

Em 1992 declarou “annus horribilis” o período que ficou marcado pelo desmoronamento dos casamentos de três dos seus filhos, Carlos, Ana e André, e pelo devastador incêndio no Castelo de Windsor, uma das residências oficiais.

Em 1997, a rainha foi acusada de não estar em sintonia com a população que chorou a morte de Diana num acidente de viação em Paris, ao ter permanecido na propriedade rural na Escócia durante dias antes de regressar a Londres e agradecer pelas inúmeras flores e mensagens deixadas à porta do Palácio de Buckingham.

Nas duas décadas seguintes, porém, conduziu uma reviravolta notável para a monarquia, ajudada por uma poderosa máquina de comunicação ativa não só nos tabloides, mas também nas redes sociais.

A rainha cortou o orçamento do Palácio, e o casamento de William com a plebeia Kate (Catherine) Middleton ajudou a projetar a imagem de uma monarquia mais moderna.

Durante os confinamentos da pandemia de covid-19, interveio com comunicações públicas cujo tom conciliou a gravidade da situação com uma mensagem de esperança.

O sentido de abnegação ficou espelhado nas imagens das cerimónias fúnebres do marido, que morreu em abril de 2021 aos 99 anos, às quais assistiu afastada da família por causa das restrições em vigor.

A reputação que construiu nos últimos anos de devoção sóbria permitiu também distanciar-se das polémicas causadas pelo príncipe Harry e a mulher Meghan Markle e pelos escândalos protagonizados pelo príncipe André.

Apesar da especulação mais recente sobre a possibilidade de abdicar a favor do filho Carlos, de 73 anos, por causa das dificuldades de mobilidade que tem sentido, continua a cumprir estoicamente os deveres, seja por videoconferência ou em pessoa.

Em meados deste mês, fez uma visita surpresa à nova linha do metro londrino, batizada Elizabeth em honra da rainha, apesar dos “problemas de mobilidade” invocados nos últimos meses para faltar a várias cerimónias.

Mesmo assim, é evidente o esforço do Palácio em reduzir a carga de trabalho da monarca nonagenária, com o príncipe Carlos e outros membros da família real a representá-la em visitas ao estrangeiro e outros compromissos públicos.

Para trás ficam os tempos em que montava a cavalo e passeava os adorados cães de raça Corgi nas propriedades reais.

Em 09 de setembro de 2015, a rainha tornou-se a monarca há mais tempo em funções, superando a trisavó Vitória.

Isabel II visitou 132 países, percorreu mais de um milhão de quilómetros e fez milhares de discursos, mas nunca deu uma entrevista e a vida privada permanece em grande parte um mistério.

Indiscrições raras de membros do Palácio revelaram que gosta de saber as intrigas de Westminster, ler as dicas de corrida de cavalos do jornal “Racing Post”, beber o ‘cocktail’ favorito Dubonnet com gin antes do almoço e fazer as palavras cruzadas.

Além dos quatro filhos, tem oito netos e 12 bisnetos e a apenas a pandemia interrompeu a tradição de reunir a família no Natal.

No prefácio de uma biografia escrita pelo antigo ministro Douglas Hurd, o neto William resumiu a personalidade da soberana como uma pessoa “bondosa e com sentido de humor, um sentido inato de calma e visão e amor pela família”.

LUSA/HN

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