“O Governo português, que é muito querido pelos venezuelanos, deve ver como pode ajudar-nos, através da embaixada, porque o que estamos a viver é devastador, é multidimensional”, disse a diretora da Prepara Família (PF).
Katherine Martinez falava à agência Lusa em Caracas, nos consultórios daquela organização, onde foram atendidas várias crianças e familiares em risco de desnutrição, às quais foram entregues vitaminas e medicamentos.
“Precisamos que países como Portugal, que sempre teve uma relação maravilhosa connosco, que tem tantas pessoas portuguesas com negócios aqui, que possamos ter uma um maior relacionamento”, disse, sublinhando a “bela relação com a comunidade portuguesa”, que tem “um coração de ouro”.
Por outro lado, explicou que “tem sido muito duro” o que os venezuelanos têm vivido e que desde 2017 têm “um registo” do que acontece no Serviço de Nefrologia do Hospital de Crianças José Manuel de los Rios, onde “até hoje faleceram 74 crianças”.
“Para nós, estas mortes são evitáveis, porque o Estado não investiu para responder e garantir o direito à vida e à saúde destas crianças”, disse, alertando que “não existe um programa de procura de órgãos, porque está suspenso desde há cinco anos e cinco meses”.
Katherine Martinez explicou que muitas mulheres venezuelanas não recebem ajudar alimentar estatal porque “a maioria delas vem do interior do país” e “foram criminalizadas por realizarem protestos”.
Por outro lado, denunciou que há crianças que morreram “de desnutrição”, que “não padeciam de doenças crónicas, mas por causa da fome, porque por não serem alimentadas, acabaram hospitalizadas”.
“Em 2020, abrimos um centro de proteção nutricional, uma unidade psicossocial legal, para atender as crianças nesta situação, as mulheres grávidas em risco de desnutrição e as mulheres que amamentam”, explicou.
Segundo a diretora da Prepara Família, a ONG atende atualmente crianças e mulheres que passam por “um protocolo de 12 semanas onde recebem suplementos nutricionais e vitaminas”.
“É gratuito, tudo, porque é graças aos projetos da arquitetura humanitária, das Nações Unidas”, frisou.
Segundo Katherine Martinez, “já em 2008, a situação no hospital era complicada: as mulheres dormiam debaixo dos berços das crianças, sem cadeiras ou camas, colocavam jornais e lençóis em cima deles”.
“Havia muitas carências, mas desde 2014 a situação agravou-se com a complexa emergência humanitária que começou a instalar-se lentamente na Venezuela (…) não podíamos fazer manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos de raios X, tivemos uma queda significativa nos medicamentos e suprimentos familiares, e as mães tinham de sair para fazer os exames porque não os podiam fazer dentro do hospital”, explicou.
Foi nessa altura que a PF começou a documentar o que acontecia, mas as dificuldades agravaram-se: “em 2017 as crianças que estavam na unidade de diálise, no Serviço de Nefrologia, começaram a morrer sem razão aparente. (…) Havia bactérias e cada criança que entrava corria esse risco”.
Perante esta situação, várias organizações pediram ajuda ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos que respondeu com “medidas de proteção”, mas “o Estado não respondeu, não fez nada”, o que motivou um pedido de extensão das medidas cautelares que hoje amparam as crianças de 14 serviços hospitalares.
Katherine Martinez explicou que na Venezuela está a ser feita uma publicidade de que as coisas estão a melhorar, mas alerta que se trata de uma gota de água, “para um setor minúsculo”.
“Nós, todos os dias, vemos com dor como tem vindo a aumentar a situação de vulnerabilidade das famílias, crianças e mulheres com doenças crónicas, porque não há resposta do Estado”, disse.
Nesse sentido, explicou que os venezuelanos, sofrem o impacto de “um contexto económico, da má gestão financeira, da questão cambial, do [baixo] salário mínimo e de uma hiperinflação que impede as mulheres de acederem a uma alimentação balanceada”.
“É dramático, e é por isso que todas as organizações da arquitetura humanitária das Nações Unidas estão aqui. O Programa Mundial de Alimentos está no interior do país a entregar sacos de comida através das escolas”, disse.
LUSA/HN
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