Afeganistão: ONU condena como “golpe” contra mulheres proibição de estudarem em escolas de medicina

5 de Dezembro 2024

A ONU condenou hoje o novo “golpe” dos talibãs nos direitos das mulheres, ao proibi-las de estudar em escolas de medicina, limitando ainda mais as suas oportunidades de trabalhar e a sua participação na vida pública em geral.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) alertou de que a decisão representa “mais um golpe devastador para os direitos das mulheres e raparigas no Afeganistão” e sublinhou que a medida poderá levar a mais mortes, devido às suas consequências a longo prazo no sistema de saúde do país centro-asiático.

A diretora executiva da UNICEF, Catherine Russell, afirmou estar “profundamente alarmada” com as informações, cuja veracidade está “a tentar determinar”, antes de declarar que tal proibição “interromperia de imediato a formação médica de milhares de mulheres e comprometeria o acesso das mulheres e raparigas aos cuidados de saúde”.

Afirmou também que a medida faz parte de “uma tendência de exclusão e de negação de oportunidades a metade da população do país”, acrescentando que “não só reduzirá ainda mais a capacidade das mulheres de contribuírem para a sociedade e obterem um rendimento, como também terá consequências em grande escala para a saúde de toda a população afegã”.

“Perder-se-iam vidas”, sublinhou Russell, explicando que “o Afeganistão já enfrenta uma desesperada escassez de profissionais de saúde formados, especialmente mulheres”, segundo um comunicado divulgado pela UNICEF.

“As profissionais de saúde desempenham um papel vital para garantir que as mulheres recebem cuidados maternos adequados, que as crianças são vacinadas e que as comunidades têm acesso a serviços de saúde essenciais”, argumentou.

Por isso, sustentou que a ausência de mulheres nestas profissões tornará “menos provável” que as mulheres obtenham cuidados pré-natais e que deem à luz “em clínicas seguras”.

“Num país em que as mulheres e as crianças dependem de profissionais de saúde do sexo feminino para receber cuidados que tenham em conta a sua realidade cultural, cortar o caminho a futuras profissionais de saúde colocará vidas em risco”, insistiu.

Russell apelou, por isso, às autoridades instauradas pelos talibãs depois de terem tomado o controlo do país, em agosto de 2021, para que “continuem a permitir que as mulheres estudem medicina”.

“O futuro do sistema de saúde do Afeganistão depende da plena participação de profissionais médicos de ambos os sexos”, vincou.

A porta-voz do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Ravina Shamdasani, considerou que a decisão “é mais um golpe direto das autoridades ‘de facto’ contra as mulheres e as meninas afegãs” e “a mais recente de uma série de medidas discriminatórias” em vários domínios que “sequestram o futuro do país”.

“A medida é profundamente discriminatória, míope e põe em risco a vida das mulheres e das meninas de várias formas: elimina a única via que restava às mulheres e raparigas para acederem ao ensino superior e dizimará uma oferta já inadequada de parteiras, enfermeiras e médicas”, frisou.

Shamdasani afirmou igualmente que a decisão limitará ainda mais o “acesso precário” das mulheres e das meninas aos cuidados de saúde, uma vez que os profissionais médicos masculinos não podem atendê-las sem a presença de um membro da família do sexo masculino.

“O Afeganistão já tem uma das taxas de mortalidade materna mais elevadas do mundo. A presença das mulheres no setor da saúde é essencial”, defendeu, insistindo que “todas estas medidas, tomadas por homens, sem transparência e sem qualquer participação das pessoas envolvidas, visam claramente excluir as mulheres e as raparigas da vida pública”.

Por essa razão, recordou aos talibãs que “são responsáveis pelo bem-estar e pela segurança de toda a população” e apelou aos fundamentalistas para que revoguem esta “diretiva danosa”.

“É tempo de garantir os direitos das mulheres e das meninas, em conformidade com as obrigações internacionais do Afeganistão em matéria de direitos humanos”, sustentou.

Também a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA) manifestou “extrema preocupação” com as informações e afirmou estar “a tentar verificá-las através dos canais oficiais”, sem que os talibãs tenham enviado, até agora, uma “confirmação oficial”.

“Se for aplicada, a diretiva implica maiores restrições aos direitos das mulheres e das meninas à educação e ao acesso aos cuidados de saúde”, declarou em comunicado, alertando para o “impacto negativo” no sistema de saúde e no desenvolvimento global do país da Ásia Central.

“A UNAMA apela às autoridades ‘de facto’ para que reconsiderem a aplicação desta diretiva, tendo em conta as suas implicações negativas para a vida das mulheres e meninas afegãs e para toda a população em todo o país”, defendeu a missão.

A decisão, aprovada pelo líder supremo do grupo, o ‘mullah’ Hebatullah Ajundzada, foi transmitida ao Governo durante uma reunião com altos responsáveis do Ministério da Saúde em Cabul, na segunda-feira, segundo a estação de televisão afegã Amu TV. Estas instituições de ensino eram das poucas que ainda mantinham as portas abertas à educação feminina no país.

A nova proibição impedirá que as estudantes participem em cursos para se tornarem parteiras, dentistas ou enfermeiras, o que terá um impacto ainda maior na escassez de pessoal nos hospitais e noutros centros de saúde.

Existem mais de 160 escolas de medicina no país, incluindo dez institutos públicos em Cabul e em várias províncias, de acordo com a agência afegã Jaama Press.

Os fundamentalistas já fecharam, em dezembro de 2022, as portas das universidades às estudantes, o que levou muitas a procurar educação nestes institutos para prosseguirem os estudos e tentarem aumentar as hipóteses de conseguir um emprego, o que também é dificultado pelas restrições.

Os talibãs promulgaram em agosto a chamada “Lei para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício”, institucionalizando a discriminação das mulheres e alargando as restrições, entre as quais uma “lei do silêncio”, que estipula que as vozes das mulheres só podem ser ouvidas “em casos de necessidade”.

LUSA/HN

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