Resiliência pode ser adquirida para tratar ‘stress’ pós-traumático após ataques – Estudo

9 de Janeiro 2025

A perturbação de 'stress' pós-traumático (PSPT) sofrida pelos sobreviventes de ataques pode vir a ter melhores tratamentos, na sequência de uma investigação sobre os mecanismos cerebrais para lidar com o trauma, que indicam que a resiliência pode ser adquirida.

Publicado na revista Science Advances na quarta-feira, um artigo relata o progresso do estudo “Remember”, lançado em França pelo Instituto Nacional de Saúde e Investigação Médica (Inserm) e pela plataforma de imagiologia Cyceron, no âmbito de um programa que estuda a construção e evolução da memória dos atentados de 13 de novembro de 2015.

Há dez anos, estes ataques terroristas que causaram 130 mortos e mais de 350 feridos na sala de espetáculos Bataclan e nas esplanadas de bares e restaurantes em Paris, bem como em Saint-Denis (norte da capital), traumatizaram de forma duradoura o país e deixou sobreviventes que muitas vezes lutam para reconstruir as suas vidas.

Três destes suicidaram-se, incluindo em maio de 2024 Fred Dewilde, sobrevivente do Bataclan e pilar da associação Life For Paris, que falou do “veneno sorrateiro espalhado pelos terroristas”.

Desde 2015, 120 pessoas expostas a estes ataques – vítimas, socorristas, enlutados – e 80 não expostas foram acompanhadas pelo estudo, que compara os resultados das imagens cerebrais.

Este explora os efeitos do evento traumático nas estruturas e no funcionamento do cérebro, identificando marcadores neurobiológicos de ‘stress’ pós-traumático, mas também de resiliência ao trauma.

As pessoas com PSPT sofrem de “memórias intrusivas” – imagens, cheiros, sensações assustadoras – associadas ao trauma que experienciaram.

Em 2020, a equipa liderada por Pierre Gagnepain apresentou uma hipótese inovadora: “Se as pessoas não conseguem esquecer uma imagem intrusiva, é devido à falha de um mecanismo de inibição e controlo, uma desordem do esquecimento”, explicou o investigador à agência France-Presse (AFP).

Este mecanismo “mobiliza regiões frontais do cérebro que têm a função de inibir e interromper a atividade do hipocampo, uma pequena área muito importante para a expressão da memória”, detalhou.

Para estudar o ressurgimento de memórias intrusivas sem submeter os voluntários à provação de ver imagens chocantes dos ataques, os cientistas utilizaram um protocolo de investigação de imagens cerebrais baseado no método “pensar/não pensar”.

Os participantes aprenderam pares de palavras associadas a imagens, como a palavra “mesa” com a imagem de uma bola, depois tiveram de, ao ver a palavra “mesa”, ora visualizando a imagem associada em pormenor, ora retirando-a da sua consciência. As imagens de ressonância magnética obtidas na altura permitiram estudar a sua conectividade cerebral.

Em algumas pessoas que sofrem de stress pós-traumático, mantém-se a disfunção dos mecanismos que lhes permitem lidar com o trauma. Mas noutros normalizou-se, com redução dos sintomas de stress pós-traumático, medidos pelo questionário.

Na imagiologia cerebral, isto traduziu-se numa ação mais eficaz das regiões pré-frontais para inibir a atividade do hipocampo e impedir o acesso a memórias intrusivas.

“Estes mecanismos de controlo parecem ter uma função muito importante para a resiliência: a de reduzir os efeitos negativos do stress no cérebro”, explicou Gagnepain.

Assim, a resiliência “não é inata, mesmo que existam fatores que a favoreçam”, mas, para o investigador, é possível pensar em “novas terapias, complementares às já utilizadas, para estimular mecanismos de controlo da memória”.

A sua equipa está agora a trabalhar num recetor cerebral localizado principalmente no hipocampo, que pode estar envolvido no esquecimento e no silenciamento de memórias – e um dia tornar-se um alvo terapêutico.

NR/HN/Lusa

 

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