Procuradores italianos acusaram hoje um alto funcionário da Organização Mundial da Saúde (OMS) de prestar falsas declarações num interrogatório sobre um relatório daquele organismo que avaliou a resposta à pandemia de covid-19 em Itália.
Segundo os procuradores em Bérgamo, Itália, o antigo diretor-geral adjunto da OMS, Ranieri Guerra (na imagem), está sob investigação por alegadamente ter proferido falsas declarações aos procuradores, após o próprio se ter voluntariado para interrogatório em novembro.
Ranieri Guerra foi um elemento de ligação entre a OMS e o Governo italiano, após o país transalpino se ter tornado o epicentro da covid-19 na Europa no ano passado, noticia a agência AP.
Segundo o canal italiano SkyTG 24, Guerra manifestou-se “chocado e amargurado” com o desenvolvimento deste caso.
Os procuradores estão a investigar o elevado número de mortos por covid-19 em Bérgamo e se a falta de preparação de Itália para a pandemia teve um papel decisivo.
A investigação procurou incluir um relatório da OMS sobre a resposta ao novo coronavírus por Itália, que revelou que o Governo italiano não atualiza o seu plano de preparação para uma pandemia desde 2006.
A OMS retirou esse relatório do seu sítio na Internet em 14 de maio, um dia depois de ter sido publicado e nunca o voltou a disponibilizar.
O desaparecimento do documento sugere que a OMS o removeu para salvaguardar o Governo italiano de críticas e responsabilidades.
Ranieri Guerra foi um alto funcionário do Ministério da Saúde italiano entre 2014 e 2017, quando o plano de preparação para uma pandemia devia ter sido atualizado para cumprir as normas da União Europeia (UE).
A OMS, quando questionada se Guerra ou o Governo italiano interferiram na divulgação do relatório, respondeu que este foi removido pelo escritório em Copenhaga devido a “imprecisões factuais”.
Segundo a documentação recolhida pelos procuradores de Bérgamo, Guerra intercedeu para que o relatório fosse retirado, devido ao desconforto causado no Governo italiano.
As provas incluíam conversas privadas na rede social WhatsApp entre Guerra e um alto funcionário da saúde pública italiana, Silvio Brusaferro.
Numa das mensagens, em 14 de maio de 2020, Guerra escreveu a Brusaferro: “Dirigi-me a Tedros e fiz com que o documento fosse retirado”, referindo-se ao diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
A assessoria de imprensa da OMS, em resposta enviada hoje por correio eletrónico à agência AP, negou o envolvimento de Tedros na retirada do relatório e insistiu que a tomada de decisão foi feita pelo escritório em Copenhaga.
“O diretor-geral não se envolveu no desenvolvimento, publicação ou retirada do relatório”, refere, sublinhando que este foi removido por “conter imprecisões e inconsistências” e por ter sido publicado prematuramente.
Os procuradores realçam que os factos desmentem as declarações de Guerra no interrogatório e concluíram que “Guerra trabalhou pessoalmente na remoção do relatório do site da OMS”.
As mensagens mostram que Guerra procurou com que um dos principais autores do relatório, Francesco Zambon, alterasse os dados do relatório para referir que Itália tinha atualizado o seu plano de pandemia em 2016, quando não o tinha feito.
Zambon recusou a faze-lo e iniciou um processo interno de denúncia, alegando que Guerra tentou pressioná-lo a alterar os dados.
Guerra defendeu-se alegando que o relatório foi retirado devido a imprecisões factuais e que não interveio para remove-lo, mas apenas para que os erros fossem corrigidos.
E acrescentou que o plano para uma pandemia de Itália, de 2006, ainda era válido e não precisava ser atualizado enquanto ele foi responsável por essa área no Ministério da Saúde.
O antigo dirigente da OMS terá desconsiderado o conselho jurídico daquela organização, que referiu que os funcionários da OMS não têm nenhuma obrigação de responder a pedidos de interrogatórios dos procuradores italianos, pela imunidade diplomática enquanto funcionários da ONU.
Guerra aceitou ser interrogado a título pessoal e como informador dos factos e não como suspeito.
No entanto, os procuradores acabaram por coloca-lo sob investigação devido a “falsas declarações”.
NR/HN/LUSA
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