“O cancro não pode esperar. A diferença entre ser tratado ou não ser tratado vai entre a pessoa poder ser curada, ter uma sobrevivência longa com qualidade de vida, ou ter uma morte anunciada ou uma sobrevivência sem qualidade de vida”, disse Vítor Veloso.
Em entrevista à agência Lusa, no ano em que a LPCC-Norte completa 60 anos, o cirurgião oncologista que dirige este núcleo há duas décadas contou que pretende intensificar a pressão junto do Ministério da Saúde para que, entre outros tópicos, “se agilize muito mais a passagem de atestados multiúsos”.
“Não é compreensível que existam tantas dificuldades administrativas. As juntas médicas estão com atraso muito grande (…). Muitas vezes só aparecem passado meses ou anos das necessidades dos doentes e, por outro lado, a sua constituição também não é aquela que se adequa mais ao doente oncológico. Um doente com cancro, neste momento, pode ter atrasos de anos para conseguir o atestado multiúsos”, criticou.
Sem um atestado multiúsos, o doente oncológico fica sem acesso a subsídios, produtos de apoio, benefícios no IRS, entre outros direitos.
Este “atropelo”, como lhe chamou Vítor Veloso, que diz ter conhecimento de dezenas de casos à espera, “pune duplamente” um doente que, “além da doença, fica privado de vários apoios”.
“Vamos continuar a pedir porque normalmente o que pedimos é razoável. E não desistiremos”, frisou.
O médico, que foi diretor do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto durante 10 anos, recordou outro pedido recente da LPCC: “Pedimos que, quando um doente oncológico entrasse de baixa, essa baixa fosse paga a 100%. Neste momento é 70%. Se for uma única pessoa a ganhar no agregado familiar, isto constitui um drama total e completo. Isso foi chumbado recentemente na Assembleia da República, mas vamos insistir”.
À Lusa, Vítor Veloso destacou “outra grande questão dramática na vida de uma pessoa com cancro”: os tempos médios de espera por consulta ou cirurgia, razão pela qual, contou, “bateu muitas palmas” quando teve conhecimento que iriam fazer na cirurgia templos suplementares para erradicar as listas de espera.
Vítor Veloso quer, também, que o acesso a ensaios clínicos seja “mais facilitado, porque estes são, muitas vezes, uma luz ao fundo do túnel”.
“Se disserem ao doente para fazer um ensaio clínico, ele tem medo porque não conhece (…). Temos de dar um conhecimento mais adequado. Dizer-lhes que não são cobaias, mas que aquele ensaio lhes pode dar melhorias, isto depois de os tratamentos convencionais já não resultarem e isto só em estruturas dedicadas”, descreveu.
Quanto aos rastreios, o presidente de uma instituição que, em 2023, foi responsável por 211 mil rastreios ao cancro da mama feitos a mulheres entre os 50 e os 70 anos, anseia ver este programa alargado dos 45 aos 75 anos, como já acontece em muitos países europeus.
“O alargamento já foi pedido. Vamos batalhar, até porque a nível europeu praticamente todos os países incluem os grupos etários dos 70 aos 75 e dos 45 aos 50. A delegação estaria preparada [se tivesse de implementar o alargamento amanhã]”, referiu.
Mas não é só neste rastreio que a LPCC-Norte quer apostar mais. À Lusa, Vítor Veloso revelou que “está previsto avançar com um projeto-piloto de rastreio para o cancro do pulmão”, destinado a fumadores e pessoas com história familiar, acima dos 45 anos, o que, no Norte, poderá significar uma população de “pelo menos 50 a 100 mil pessoas”.
“Porque é que isto ainda não está no terreno se é tão importante? O problema é sempre económico. O Estado põe-se sempre um bocado na retranca, e nós compreendemos isso, mas eu acho que este rastreio está perfeitamente testado, essas idades estão aceites e consagradas a nível europeu. Não vemos razão nenhuma para que isso não aconteça em Portugal”, desabafou.
Com mais de 7.000 voluntários comunitários, aos quais se somam 420 só no IPO do Porto, a LPCC-Norte apoiou, no ano passado, milhares de famílias num total de 2,7 milhões de euros.
“Água, luz, rendas de casa, refeições, transportes, medicamentos, próteses, etc (…). Uma família carenciada, se não for ajudada, vai ser lançada num precipício não só da doença oncológica, mas de pobreza (…). Só podemos manter estes níveis de assistência, ou mesmo melhorar, se continuarmos a ter, por parte da população, a mesma confiança e graças a isso a mesma posição solidária, de dádiva”, concluiu.
NR/HN/Lusa
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