Considera possível garantir, na prática, que as decisões e a gestão relacionadas com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) sejam conduzidas de forma democrática e transparente, envolvendo os cidadãos e outras partes interessadas? Como poderia isso ser concretizado?
Sou partidária da ideia de que sem saúde, não há nada, por isso, considero a saúde o bem individual, coletivo e universal mais precioso.
Por outo lado, sou, de igual forma, uma fervorosa partidária da Democracia, justamente por considerar que, apesar da sua imperfeição, é o único sistema que consegue não só, mas, sobretudo, em matéria de saúde não deixar ninguém para trás.
Posto isto, não só acho possível, acho mesmo imprescindível que a gestão do SNS tenha como pilares a transparência e a colaboração ativa dos cidadãos. De resto, tentei (e tento) durante todo o meu percurso – quer como cidadã, quer como profissional – contribuir para esse desiderato.
Nasci e fiz-me médica antes de existir o Serviço Nacional de Saúde. Tenho o privilégio de constatar, sem a menor dúvida, do quanto SNS e Democracia caminham lado a lado. Melhor dizendo, a Democracia foi a estrada aberta para o nascimento do SNS e continua a ser a base da sua evolução.
Acrescento à saúde, outro bem igualmente precioso, a que também a Democracia abriu caminho: a educação, que tem de ser para todos. E a educação é, efetivamente, um ponto chave para que a gestão do Serviço Nacional de Saúde avance de forma transparente e envolvente.
A Democracia tem por base o binómio Direitos/ Deveres. Durante estes quase cinquenta primeiros anos, trouxemos à tona os Direitos, educámos para os Direitos. É natural que assim tenha sido, porque vínhamos de um Regime de opressão e de falta de liberdade de expressão. Mas vai sendo altura de começar a educar, com seriedade e com eficácia, também para os deveres.
Dizem-nos que temos, hoje, a mais bem preparada geração de sempre e isso deixa-me muitíssimo satisfeita e reitera a minha fé no Sistema Democrático. É agora necessário que esta geração – e, naturalmente, as vindouras – culta e civicamente empoderada em matéria de Direitos, avance no sentido de incorporar em cada cidadão a importância do cumprimento dos Deveres.
E matéria de Saúde, a Democracia – e muito bem! – muitos direitos aos cidadãos que necessitam de desenvolver sentimentos de pertença, orgulho, orgulho e compromisso para com o SNS. O Serviço Nacional de Saúde, mais do que ser de todos, precisa ser feito por todos e, para isso, é necessário que a tão proclamada literacia da saúde seja, efetivamente uma realidade.
É necessário que, nas escolas, se explique como está construído o SNS e como é financiado. Que os jovens percebam, desde cedo, que a casa do SNS é, genericamente, alicerçada em três pilares estruturais, a saber:
- Os Cuidados de Saúde Primários (que têm por missão primordial, prevenir a doença e tratá-la na generalidade);
- Os Hospitais (que têm por missão tratar patologias especificas e mais complexas);
- Os Cuidados de Saúde Continuados (que têm por missão a recuperação global ou parcial da pessoa, promovendo a sua reabilitação, autonomia e melhorando a sua funcionalidade, no âmbito da situação de dependência em que se encontra, com vista à sua reintegração sociofamiliar; e não podemos esquecer que estes devem incluir Cuidados Paliativos (que têm por missão contribui para a qualidade de vida em situações de doença crónica e ajudar a morrer com dignidade).
A par com o conhecimento, que deve ser, paulatinamente, aprofundado com o avançar da idade, é necessário que haja uma efetiva política da infância de promoção de estilos de vida saudáveis e também de cidadania.
O conhecimento – se transversal e sólido – traz a exigência dos Direitos, mas também o compromisso dos deveres e é, efetivamente, um dever, todos participarem na construção de um SNS cada vez mais forte. Seja através de gestos diários (como por exemplo, a escolha de estilos de vida saudáveis e o pagamento dos impostos devidos), quer através de contribuições mais espessas (como sugestões de melhoria em áreas específicas que integram as mais variadas frentes do SNS).
A educação é a chave para que a Gestão do Serviço Nacional de Saúde seja absolutamente transparente e comparticipada, não só através dos impostos, mas, sobretudo, através de um escrutínio sério aos políticos, da contribuição com ideias e projetos de melhoria e, por último, mas não menos importante, de uma adequada utilização do SNS, que contribua, naturalmente, para a sua sustentabilidade.
Ana Jorge
Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; Ministra da Saúde dos XVII e XVIII Governos Constitucionais.
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